Resumo Muitos estudiosos consideram o início da Grande Aceleração em meados do século 20 como tendo "iniciado o Antropoceno" (McNeill; Engelke, 2016, p.7). A marca mais visível para tal reivindicação é o uso em larga escala de combustíveis fósseis. Estritamente ligada a isso, é uma ideia da modernidade e de progresso material que moldou o uso e o significado atribuído a essas fontes de energia. Foi nesse contexto mais amplo que, em agosto de 1942, o Brasil se juntou às Forças Aliadas na Segunda Guerra Mundial. Parte do acordo foi que os EUA ajudariam a desenvolver indústrias pesadas no país, principalmente aço e petróleo. Na época, cerca de 90% do petróleo do Brasil era importado dos EUA, fato que teve impacto direto no cenário petrolífero do país. O esforço de guerra significou que o combustível foi redirecionado para o uso militar, o que gerou grandes restrições ao consumo civil. Em face à escassez, milhares de brasileiros escreveram ao Conselho Nacional do Petróleo para solicitar cotas de combustível e licenças de trânsito. Ao fazê-lo, eles também compartilhavam as razões pelas quais precisavam de gasolina, diesel, querosene e outros produtos petrolíferos. Essas cartas fornecem informações valiosas para a superfície social brasileira do período, sobre como as pessoas usavam diferentes produtos petrolíferos e os significados de progresso e modernidade que atribuíram ao acesso e ao consumo de tais produtos. Através de suas palavras, podemos visualizar o país em um momento de transição para a modernidade industrial, deixando para trás a chamada "vocação agrícola", que foi o principal rótulo do Brasil do século 19 até o início do século XX. Brasileiros, tanto em centros urbanos quanto em locais remotos, não queriam se afastar dos ganhos representados pela velocidade de seus veículos, os produtos de suas máquinas industriais, o conforto de seus aparelhos. A Grande Aceleração havia chegado e a desaceleração parecia evadir-se da civilização. A modernidade e o progresso são materializados na forma da primeira geladeira para chegar a uma cidade remota, a segunda motocicleta registrada na Amazônia, o caminhão de mudança rapidamente atravessando fronteiras estaduais. Carros, motocicletas, caminhões, máquinas a diesel estavam disponíveis a apenas uma ou duas gerações, mas já eram vistas como essenciais. É um momento que marca a profunda dependência fóssil que sustenta esse ideal de modernidade - conectando, no mesmo arco, atividade e criatividade humana, o uso de máquinas e combustíveis fósseis, vistos como indispensáveis para trazer o progresso desejado a uma nação moderna.
Abstract In August 1942, Brazil joined the Allied Forces in World War II. Part of the agreement was that the United States would help develop heavy industries in the country, mainly steel and oil. By that time, roughly 90% of Brazil's oil was imported from the US, a fact that had a direct impact on the oil scenario of the country. The war effort meant that fuel was redirected to military use, which generated great restrictions to civilian consumption. In the face of scarcity, thousands of Brazilians wrote the National Petroleum Council to request fuel quotas and traffic licenses. In doing so, they also shared the reasons why they needed gasoline, diesel, kerosene and other oil products. Such letters provide valuable insight into the Brazilian social landscape of the period, how people used different oil products and the meanings of progress and modernity they attributed to the access and consumption of such products. It is a moment that marks the deep fossil dependence that underpins this ideal of modernity - connecting, in the same arc, human activity and creativity, the use of machines and fossil fuels, seen as indispensable to bring about the desired progress of a modern nation.