Tomando como ponto de partida a representação erudita que situa Juliano Moreira como fundador da psiquiatria científica no Brasil, este trabalho analisa as concepções por ele veiculadas sobre doença mental, raça e sexualidade. Suas teorias constituíram uma transposição sui generis do pensamento do psiquiatra alemão Emil Kraepelin, ajudando na construção do ideário em prol do processo civilizatório brasileiro no início do século XX. Fundamentava-se em pressupostos organicistas, ao mesmo tempo em que se contrapunha à idéia corrente na época sobre as condições "naturais" brasileiras desfavoráveis como o clima e a raça. Analisando os trabalhos publicados por Juliano Moreira até 1920, relaciona-se aqui o modo como seu discurso científico discutia o tema da sexualidade, expressa sob a rubrica da "sífilis", da "reprodução" e do "casamento". Com relação a essa temática, Juliano Moreira não se valeu da idéia de uma natureza feminina degenerada, crescentemente difundida em meados do século XIX. Ainda que não desconsiderasse a idéia mais geral da degeneração, pertinente apenas ao nível das unidades orgânicas individuais, descartaria a correlação entre degeneração e natureza feminina, para se ater aos fundamentos médicos hegemônicos na primeira metade do século XIX, que articulavam as marcas diferenciais da mulher à sua fisiologia sexual, paradigmaticamente representada pela imagem do útero.
Taking as the point of departure the academic image of Juliano Moreira as the founder of scientific psychiatry in Brazil, this study analyzes the concepts he expressed on mental disease, race, and sexuality. His theories constituted a sui generis transposition of the thinking of German psychiatrist Emil Kraepelin, aiding in the construction of the ideals in defense of the Brazilian civilizational process in the early 20th century. He based his concepts on organicist premises, while arguing against the then-prevailing notion of so-called unfavorable "natural" Brazilian conditions such as climate and race. Analyzing the work published by Juliano Moreira until 1920, one sees how his scientific discourse discussed the theme of sexuality, expressed under the label of "syphilis", "reproduction", and "marriage". On this point, Juliano Moreira did not resort to the idea of a degenerated female nature, increasingly widespread in the mid-19th century. Although he did not rule out the more general notion of degeneration, pertinent only to the level of individual organic units, he did rule out the correlation between degeneration and female nature to focus on the hegemonic medical foundations of the first half of the 19th century, which linked differential female characteristics and female sexual physiology, represented paradigmatically by the image of the uterus.