RESUMO O ensino baseado na comunidade trata-se de uma abordagem educacional voltada à inserção de estudantes em cenários de prática real desde os anos iniciais dos cursos, principalmente em comunidades urbanas e/ou rurais e em serviços da atenção primária à saúde, em que o planejamento, a execução e a avaliação das ações desenvolvidas partem das necessidades de saúde local e, idealmente, inclui a participação de pessoas da comunidade, das equipes de saúde e da própria universidade em todas as suas etapas. Este estudo problematizou o processo de implementação de um currículo baseado no ensino em comunidade em uma escola médica criada no âmbito do Programa Mais Médicos, no sertão nordestino. Para isto, trabalhou-se com interlocuções teóricas entre narrativas, memória e currículo. Teve-se por objetivo compreender como docentes médicos vivenciam o ensino baseado na comunidade, tendo em vista suas memórias da formação médica. Trata-se de estudo qualitativo, nos marcos da história oral. Para a produção das narrativas e contextualização dos sujeitos, utilizaram-se observações participantes, questionários socioeconômicos e entrevistas individuais semiestruturadas. As informações foram analisadas pela técnica de codificação temática. Os resultados são apresentados e discutidos por meio de duas categorias temáticas: “eles serão médicos dentro de uma comunidade”: currículo, memória e formação médica; e “na hora em que eu cheguei lá, quis ir embora”: atuação docente no ensino baseado na comunidade. As narrativas desvelaram as disparidades e incongruências entre uma formação médica modelada nas prescrições do currículo “tradicional” e as expectativas de atuação docente num currículo “inovador”, caracterizado pela centralidade do estudante e das necessidades de saúde locais que produzem arranjos pedagógicos diversos próprios do ensino baseado na comunidade. Nesse panorama, imbricam-se desafios, dificuldades e gratificações num movimento ainda amorfo e num espaço ainda com muitos vazios que esperam para serem preenchidos, descritos, narrados com futuras histórias de vida que poderão elucidar como se aprendeu a ser docente nesse horizonte que se espraia a nossa frente. Cumpre destacar a polissemia do termo “comunidade” no contexto estudado e as dificuldades vivenciadas no início da carreira docente, o que evidencia a necessidade de investimentos em desenvolvimento docente nos cursos médicos, em geral, e nos recém-criados, em particular.
ABSTRACT Community-based education is an educational approach aimed at integrating students into real practice scenarios from the initial years of the courses, mainly in urban and/or rural communities and in primary health care services, where the planning, implementation and evaluation of actions are developed from local health needs and ideally involve the participation of the community, health team members and the university itself at all stages. This study critically questionned the implementation process of a community-based education curriculum at a medical school created as part of the More Doctors Program in the sertão (dry hinterland) of the Brazilian Northeast. To this end, theoretical dialogues were developed between narratives, memories and the curriculum. The objective was to understand how medical professors experience community-based teaching, given the memories of their medical training. The study was qualitative in nature and developed within the framework of oral history. We used participant observation, socioeconomic questionnaires and individual semi-structured interviews to produce the narratives and contextualize the subjects. The data were analyzed by means of the thematic coding technique. The results are presented and discussed through two thematic categories: “they will be doctors within a community”: curriculum, memory and medical training and “the moment I arrived, I wanted to leave”: teaching practices in community-based education. The narratives uncovered the disparities and incongruences between a medical training modeled on prescriptions of the “traditional” curriculum and the expectations of teaching practices in the “innovative” curriculum, characterized by the centrality of the student and the local health needs that produce diverse pedagogical arrangements particular to community-based education. In this panorama, challenges, difficulties and gratifications are interwoven in a still amorphous movement and in a space where several gaps still await to be filled, described, narrated with future life histories that might elucidate how one learns to be a teacher on that horizon that expands out in front of us. Finally, it is important to highlight the polysemy of the term “community” in the context studied and the difficulties experienced at the beginning of a teaching career, which demonstrates the need for investments in teaching development in medical courses in general, and in newly created ones in particular.