RESUMO Este artigo objetiva discutir a expressão “disputar a ‘nega’” - que integra o universo cultural de muitas regiões do Brasil e constitui práticas sociais em contextos de competição em jogos diversos - na perspectiva dos estudos de gênero, discurso, raça e classe social. Para tanto, nos aportamos teoricamente em autoras e autores que problematizam as relações de gênero de forma interseccional, destacando outras dimensões que perpassam essa categoria, tais como raça, classe, sexualidade, etnia etc. São trazidos à cena teórica os estudos de Angela Davis (2016) e Heleieth Saffioti (2013) sobre gênero, raça e classe e os apontamentos de Norman Fairclough (1998; 2001; 2003) sobre discurso, dentre outros. Intentamos, com isso, usando como ferramenta de análise os princípios da Análise de Discurso Crítica - ADC (FAIRCLOUGH, 2001, 2003; VIEIRA; RESENDE, 2016; MAGALHÃES, 2000), descortinar os discursos ideológicos que subjazem à expressão “disputar a ‘nega’”, bem como compreender sua raiz cultural e histórica, haja vista que a pessoa que é objeto da disputa é uma mulher negra cujo corpo é oferecido como prêmio ao vencedor, sendo, assim, objetificado, subalternizado e instrumentalizado, seguindo a lógica de uma sociedade patriarcal em que o corpo da mulher, e da mulher negra em especial, é usado primordial e essencialmente para servir ao homem em suas necessidades físicas e emocionais. Neste estudo, nos pautamos na concepção butleriana de gênero, por concordarmos que a constituição dessa categoria se dá mediante os confrontos culturais e sociais reiterados cotidianamente pelas práticas discursivas. Em outras palavras, trata-se da preponderância do discurso na constituição dos sujeitos, dado que nos constituímos a partir da outra, do outro. Ao propormos o estudo da expressão em ênfase, na perspectiva da análise interseccional (SCOTT, 1994; BUTLER, 2016; DAVIS, 2016), percebemos que a interseccionalidade de gênero, permeada por outros marcadores sociais, evidencia a subalternização feminina, visto que a categoria mulher, sobretudo a negra e pobre, permanece, ainda nos dias atuais, em condição de objetificação, marginalização e subalternização na sociedade.
ABSTRACT This article aims to discuss the expression ‘dispute the nega’ - which is part of the cultural universe of many regions of Brazil and constitutes social practices in contexts of competition in different games - from the perspective of studies of gender, discourse, race and social class. For this purpose, we theoretically focus on authors who problematize gender relations in an intersectional perspective, highlighting other dimensions that permeate this category, such as race, class, sexuality, ethnicity, etc. The studies of Angela Davis (2016) and Heleieth Saffioti (2013) on gender, race and class, and Norman Fairclough’s (1998; 2001; 2003) works on discourse, among others, are brought to the theoretical scene. We intend, with this, using as a tool of analysis the principles of Critical Discourse Analysis - ADC (FAIRCLOUGH, 2001, 2003; VIEIRA; RESENDE, 2016; MAGALHÃES, 2000), to unveil the ideological discourses that underlie the expression ‘dispute the nega’, as well as understand its cultural and historical roots, once the person who is the object of the dispute is a black woman whose body is offered as a prize to the winner, thus being objectified, subordinated and instrumentalized, following the logic of a patriarchal society in which the woman’s body, and the black woman’s in particular, is used primarily and essentially to serve men in their physical and emotional needs. In this study, we are guided by the butlerian conception of gender, as we agree that the constitution of this category occurs through cultural and social confrontations reiterated daily by discursive practices. In other words, it is about the preponderance of the discourse in the constitution of the subjects, given that we are constituted from the other. When proposing the study of expression in emphasis in the perspective of intersectional analysis (SCOTT, 1994; BUTLER, 2016; DAVIS, 2016) we realize that the intersectionality of gender permeated by other social markers puts on evidence female subordination, since the category woman, especially the black and poor, remains, even today, in a condition of objectification, marginalization and subordination in society.