Resumo No Brasil, as práticas de parto e nascimento passaram por profundas transformações e intenso processo de medicalização, sobretudo em meados do século XX. Os partos, que ainda aconteciam em sua maioria nos domicílios com assistência de parteiras, passaram cada vez mais a ocorrer nos hospitais, assistidos por médicos obstetras, com intervenções, práticas e rotinas próprias. A partir da análise de 31 artigos publicados em periódicos científicos brasileiros da área da obstetrícia entre os anos de 1930 e 1970, procuramos compreender as ideias em torno do processo de construção de uma rotina “ideal” para o parto hospitalar e os argumentos que sustentavam a consolidação da figura do médico como profissional mais habilitado para a assistência ao parto. O debate de obstetras acerca de uma roteirização da assistência ao parto, incluindo intervenções e práticas obstétricas que deveriam ser realizadas como rotina, lançam luz sobre os primórdios do processo de medicalização do parto no Brasil. Com a justificativa de um dever médico de diminuir o tempo e as dores do parto, e não deixar a natureza “agir sozinha”, as intervenções foram apresentadas como fruto de um novo conhecimento médico-científico que constituiria a obstetrícia moderna.
Abstract In Brazil, childbirth practices underwent deep changes and an intense medicalization process, especially in the mid-twentieth century. Childbirth, which by then still mostly took place at home with midwives’ assistance, began to increasingly occur in hospitals, assisted by obstetricians with their own interventions, practices and routines. Based on the analysis of 31 articles published in Brazilian obstetrics scientific journals between the 1930s and 1970s, we sought to understand the ideas about the process of constructing an “ideal” routine for hospital delivery and the arguments that supported the consolidation of the physician’s role as the most qualified professional for childbirth care. The obstetricians’ discussion about a scripting of childbirth care, including interventions and obstetric practices that should be performed routinely, shed light on the early stages of the medicalization process of childbirth in Brazil. Justified by the medical duty of reducing time and pain of normal birth and to not let Nature “act alone”, the interventions were presented as the result of a new medical-scientific knowledge that would constitute the modern obstetrics.