Resumo Este artigo visa lidar com um assunto fundamental e pouco discutido entre as pessoas que estudam, debatem e experimentam o trabalho em saúde: as relações entre médicos e enfermeiras. Para isso, nos baseamos na experiência etnográfica em uma enfermaria feminina de um hospital público para elaborar algumas reflexões sobre tais relações. Experiência etnográfica que se inspirou na hermenêutica e nos “science studies” e fez uso de entrevistas semiestruturadas. Tal experiência revelou médicos que organizavam suas práticas e decisões clínicas a partir de abstrações e dialogavam em termos que estruturavam um discurso altamente especializado e restrito. As enfermeiras materializavam as decisões médicas, orientadas a partir das prescrições. Não tinham espaço para interferir nas decisões clínicas por estarem atarefadas no limite do tempo e por não dominarem o discurso clínico, crucial para os debates quanto às decisões. No contexto desta experiência, entre médicos e enfermeiras havia uma distância garantida pela teoria, técnica e valores compartilhados por cada grupo profissional. Assim, sugerimos que os saberes, práticas e valores de médicos e enfermeiras eram incomensuráveis entre si, e que isto afetava diretamente as ações em saúde cotidianas.
Abstract This article addresses a fundamental, albeit scarcely discussed, issue in health studies: the relationship between doctors and nurses. We rely on a ethnographic observation and in-depth interviews undertaken in a female ward of a public hospital in order to analyze certain aspects of these relationships, based on hermeneutics and science studies. The empiric observation showed that Doctors organized their practice and clinical decisions on certain abstractions and dialogued in a structured, highly specialized and restricted language. Nurses materialized medical decisions, guided by the prescriptions. They had no room to interfere in clinical decisions, being very busy with their tasks and not dominating the clinical discourse, which is crucial for discussing the decisions. In the context of this study, physicians and nurses maintained a distance established by the theory, technique and values shared by each professional group. Thus, we suggest that knowledge, practices and medical values and nurses were incommensurate with each other, and that this directly affected the health care actions performed in that setting.