Neste trabalho pretendemos examinar uma controvérsia relativa ao património construído das cidades e à participação do público, que envolveu os sistemas técnico e leigo. Trata‑se da controvérsia relativa ao Convento dos Inglesinhos, um conjunto patrimonial do século XVII que ocupa um quarteirão do Bairro Alto, um dos bairros mais emblemáticos de Lisboa, e para o qual está actualmente prevista a transformação num condomínio residencial fechado de luxo. O projecto, aprovado pelos técnicos camarários sem consulta pública aos moradores, provocou um debate público intenso quando um movimento de moradores do Bairro organizou protestos e debates públicos contra a transformação. Neste trabalho, reconstruímos primeiro o contexto representacional desta controvérsia, baseando‑nos na análise das notícias da imprensa, na nossa participação nas sessões públicas organizadas pelos moradores e nas entrevistas realizadas com os principais protagonistas, análises que permitiram compreender as representações sobre a cidade, o património e o papel dos cidadãos, aqui envolvidos. Analisamos mais detalhadamente as entrevistas narrativas realizadas aos técnicos camarários, que permitiram examinar como é que os técnicos gerem o dilema de não poderem falar abertamente contra a participação pública - com legitimidade normativa nas sociedades actuais -, ao mesmo tempo que resistem aos objectivos dos moradores, reiterando as suas próprias decisões. Recorrendo à noção de polifasia cognitiva, analisamos as contradições que daqui emergem e como se relacionam com as diferentes identidades que os técnicos podem assumir - técnico e cidadão. Discutimos ainda como é que a gestão deste dilema e o recurso à contradição podem contribuir para impedir que os cidadãos participem por uma via legal, fomentando maior anomia quanto aos problemas dos espaços construídos.
In this paper we analyse how the technical and lay systems engage in public debate, examining a case of public participation concerning the built heritage. This case concerns the transformation of a XVII Convent - Convento dos Inglesinhos - located in the Bairro Alto, into a closed residential condominium for the affluent. This project was accepted by the Town Hall technicians without public consultation, and gave rise to several protests and debate sessions. In this article, we first sketch the representational field of the controversy, through the analysis of the press, our notes form the public sessions organised by the dwellers and the interviews with the main actors. Afterwards we examine the interviews with the Town Hall technicians in a more detailed manner, showing that they look at this controversy from two different identities: citizen and technician. When they step in the citizen’s shoes, they argue in favour of citizenship rights and public participation as one of them, but when assuming their identities as technicians of the Gabinete do Bairro Alto, they oppose this particular public movement, particularizing it as not participation and dismissing the dwellers goals. The notion of Cognitive polyphasia is used to examine how they manage this double positioning and how this is related to their different identities. We also discuss how the management of this dilemma and the use of contradiction may prevent citizens from participating through a legal way in the decisions that affect their communities, and how this may promote anomic behaviours concerning the problems of the urban spaces.