Resumo Este texto examina a cenografia e o ethos em discursos do Presidente brasileiro Jair Messias Bolsonaro em articulação com dois arquétipos da psicologia junguiana. No dia 3 março de 2020, ao participar de coletiva de imprensa sobre o fraco desempenho do PIB brasileiro no ano anterior, Bolsonaro recorreu a um comediante fantasiado de si mesmo para responder às perguntas dos jornalistas. A cena digna de vaudeville aconteceu a apenas duas semanas de o Brasil entrar em franco isolamento social em função da pandemia da COVID-19, o que viria a demandar não apenas um líder efetivo, mas um modelo de líder cujo comportamento é emulado por seus seguidores. O marco teórico se situa na interface entre a psicologia das narrativas arquetípicas em Jung (1991, 2011a, 2011b) e a cenografia e construção do ethos discursivo em Maingueneau (2008, 2018, 2020). O objetivo é analisar a cenografia que compõe as declarações do presidente e suas atuações diante da imprensa, além da função arquetípica e subsequentes estereótipos que seu ethos mobiliza no imaginário coletivo do país durante a pandemia em contraste com o período pré-eleitoral de 2018. A pesquisa é exploratória e bibliográfica com abordagem qualitativa. Concluímos que o presidente inverte sua função arquetípica de herói (à época da campanha para as eleições de 2018) para trickster (bobo da corte, após a eclosão da pandemia da COVID-19), ao empreender uma cenografia em que um ethos de líder jocoso e caricato é configurado para se esquivar da responsabilidade e aliviar a magnitude da crise.
Abstract This paper examines the scenography and ethos in speeches by Brazilian President Jair Messias Bolsonaro in articulation with two archetypes of Jungian psychology. On March 3, 2020, while participating in a press conference about the poor performance of the Brazilian GDP in the previous year, Brazilian President Jair Messias Bolsonaro turned to a comedian dressed as himself to answer journalists’ questions. The scene straight out of vaudeville took place just two weeks before Brazil entered frank social isolation due to the COVID-19 pandemic, which would demand not only an effective leader, but a model of leader whose behavior is emulated by his followers. The theoretical framework is located at the interface between the psychology of archetypal narratives in Jung (1991, 2011a, 2011b) and the scenography and construction of the discursive ethos in Maingueneau (2008, 2018, 2020). The aim is to analyze a scenography that makes up the President’s statements and his performances in front of the press, in addition to the archetypal function and subsequent stereotypes that his ethos mobilizes in the collective imagination of the country during a pandemic, in contrast to the pre-election period of 2018. The research is exploratory and bibliographical with a qualitative approach. We conclude that the president reverses his archetypal role from the hero (at the time of the 2018 review campaign) to the trickster (court jester, after the outbreak of the COVID-19 pandemic) by undertaking a scenography in which an ethos of a jocular and cartoonish leader is configured to shirk responsibility and alleviate the magnitude of the crisis.