Resumo O presente ensaio tem como objetivo revisitar o conceito de gênero a partir da crítica feminista lésbica ao feminismo hegemônico da chamada segunda onda, que desconsiderou a heterossexualidade como um problema, o que reflete precisamente a sua força e seu caráter compulsório. Considerá-la significa revisitar o conceito de gênero em estreita relação com o caráter político de ser hétero. Diante dessa desconsideração do elemento da heterossexualidade para pensar o gênero “mulher” e o apagamento da existência lésbica, as feministas lésbicas da década de 80 obrigam o feminismo de sua época a se rever a partir da seguinte pergunta: para se tornar mulher é preciso se tornar hétera? A resposta afirmativa a essa pergunta traz dois elementos inovadores e incontornáveis pelo feminismo lésbico: (i) a determinação do gênero “mulher” pela heterossexualidade compulsória, e (ii) a existência lésbica como resistência a ser valorizada enquanto uma estratégia de libertação de todas as mulheres. Para tanto, pretendo expor o argumento central de que a heterossexualidade é compulsória na medida em que existe não apenas como uma mera prática sexual, mas enquanto uma instituição social, política e econômica, segundo Adrienne Rich, como um regime político que institui um modo hegemônico de pensar, segundo Monique Wittig, como um sistema sexo/gênero para Gayle Rubin, e como um padrão normatizante que determina o binarismo de gênero, segundo Judith Butler. Por fim, fica a pergunta sobre a possibilidade de superação da opressão de gênero: ou bem apostamos numa sociedade sem gênero, como o fez Wittig e Rubin, ou com múltiplos gêneros, como propõe Butler. onda problema compulsório Considerála Considerá la hétero “mulher 8 hétera lésbico i (i ii (ii mulheres tanto sexual social econômica Rich sexogênero sexo Rubin Butler fim gêneros
Abstract The aim of this essay is to revisit the concept of gender based on the lesbian feminist critique of the hegemonic feminism of the so-called second wave, which disregarded heterosexuality as a problem, reflecting precisely its strength and compulsory nature. Considering it means revisiting the concept of gender in close relation to the political character of a straight way of being. Faced with this disregard for the element of heterosexuality in thinking about the “female” gender and the erasing of lesbian existence, lesbian feminists of the 1980’s forced the feminism of their time to review itself based on the following question: is it necessary to become straight to became a woman? The affirmative answer to this question brings two innovative and unavoidable elements for lesbian feminism: (i) the determination of the “female” gender by compulsory heterosexuality, and (ii) lesbian existence as resistance to be valued as a strategy for the liberation of all women. To this end, I intend to put forward the central argument that heterosexuality is compulsory insofar as it exists not only as a mere sexual practice, but as a social, political and economic institution, according to Adrienne Rich, as a political regime that establishes a hegemonic way of thinking, according to Monique Wittig, as a sex/gender system for Gayle Rubin, and as a normative standard that determines gender binarism, according to Judith Butler. Finally, the question remains about the possibility of overcoming gender oppression: either we bet on a genderless society, as Wittig and Rubin have done, or a society with multiple genders, as Butler proposes. socalled so called wave problem nature being female “female 1980s s 1980 woman i (i ii (ii women end practice social institution Rich sexgender sex binarism Finally oppression done genders proposes 198 19 1