Ao se aproximar dos oitenta anos de idade, o artista plástico Henri Matisse embarca com um frade dominicano no projeto de construção de uma capela na região francesa dos Alpes Marítimos. A empreitada gera resistências entre diversos artistas e religiosos, preocupados respectivamente com a contaminação da arte de vanguarda pelo conservadorismo católico e com a profanação modernista da arte sacra. Neste artigo, analiso a construção da Capela do Rosário (1947-1951) como caso-chave para explorar os efeitos do consórcio entre arte e religião promovido por Matisse em dois planos simultâneos e complementares. No primeiro, investigo como a composição entre os vocabulários e práticas religiosas e artísticas potencializa a construção da obra de Matisse, gerando repercussões na própria vida do artista. No segundo, apuro como essa associação produz um tensionamento do princípio moderno e secular de separação entre as esferas da arte e da religião, iluminando os termos dessa separação. O percurso realizado em pesquisa de campo na França e análise de diferentes fontes documentais revela que a religião (seja ela o catolicismo, um espiritualismo difuso ou outras manifestações sagradas) adquire o estatuto de procedimento articulador através do qual o artista constrói sua obra e através dela a si mesmo.
When approaching eighty years of age, artist Henri Matisse embarked on a project to build a chapel in the French region of the Alpes Maritimes with a Dominican friar. The undertaking generates resistance among various artists and religious individuals, concerned with the contamination of avant-garde art by Catholic conservatism and the modernist desecration of sacred art, respectively. In this paper, I analyze the construction of the Chapel of the Rosary (1947-1951) as a key case to explore the effects of the consortium between art and religion promoted by Matisse on two simultaneous and complementary levels. In the first, I investigate how the composition between religious and artistic vocabularies and practices enhances the construction of Matisse’s work, generating repercussions in the artist’s own life. In the second, I examine how this association produces a tension between the modern and secular principle of separation between the art and religion spheres, illuminating the terms of this separation. The path taken through field research in France and the analysis of different documentary sources reveals that religion (be it Catholicism, diffuse spiritualism or other sacred manifestations) acquires the status of an articulating procedure throughout which the artist constructs his work, and, through it, himself.
À près de quatre-vingts ans, l’artiste Henri Matisse se lance avec un frère dominicain dans le projet de construction d’une chapelle dans les Alpes-Maritimes, la chapelle du Rosaire. Néanmoins, l’entreprise se heurte à plusieurs résistances: des artistes s’inquiètent d’une contamination de l’art d’avant-garde par le conservatisme catholique, tandis que certains religieux redoutent une profanation moderniste de l’art sacré. Ce travail analyse la construction de la chapelle (1947-1951) pour mettre en lumière les effets du rapprochement entre art et religion promu par Matisse à deux niveaux simultanés et complémentaires. Dans un premier temps, il est montré que la composition opérée entre les pratiques et les vocabulaires religieux et artistiques accroissent la construction de l’œuvre de Matisse, avec y compris des répercussions sur la vie de l’artiste. Dans un deuxième temps, l’analyse permet de mieux comprendre pourquoi une telle association contrarie le principe moderne et laïque de séparation entre les versants artistique et religieux. L’enquête de terrain en France et l’analyse de différentes sources documentaires révèlent que la religion (que ce soit le catholicisme, le spiritisme diffus ou d’autres manifestations sacrées) articule la construction de l’œuvre et la construction personnelle de l’artiste.