Resumo Originalmente, o texto foi publicado em 1993, como capítulo do livro editado por Robert Gooding-Williams, dedicado à análise dos acontecimentos desdobrados a partir do espancamento de Rodney King, um homem negro de 27 anos, por policiais brancos, em março de 1991, na cidade de Los Angeles. A violência foi registrada em vídeo e gerou indignação pública, tornando possível que quatro policiais fossem indiciados criminalmente. Levados a júri, todos foram absolvidos, o que desencadeou um ciclo de protestos ao longo de quase uma semana; duramente reprimidos pela mesma força policial que se lançou sobre Rodney King, deixaram mais de sessenta mortos e mais de dois mil feridos. A contribuição de Judith Butler se dedica a compreender como foi possível que acusação e defesa tenham, ambas, recorrido à gravação. Como um mesmo conjunto de imagens pôde ter sido “visto” como demonstração da violência policial e como sua justificativa? A autora identifica a existência de um campo de visibilidade racialmente saturado, que circunscreve a percepção de pessoas que se compreendem enquanto brancas, cuja identidade se sustenta na projeção da violência sobre o outro racializado enquanto negro. Nesse sentido, a absolvição se torna compreensível como efeito de uma episteme racista, que toma o corpo masculino negro de Rodney King como origem e razão da violência que lhe foi impingida, isentando os policiais de responsabilidade. Daí a importância estratégica do ato público de ler e reler tais imagens, postas a funcionar num enquadramento que se sustenta num regime racista de produção e distribuição das imagens, que frequentemente concentra as possibilidades de torná-las legíveis.
Abstract The text was originally published in 1993 as a chapter in the book Reading Rodney King, Reading Urban Uprising, edited by Robert Gooding-Williams. It is dedicated to the analysis of the series of events triggered from the beating of Rodney King, a 27-year-old black man, by white policemen in March 1991 in the city of Los Angeles. The violence was recorded on video and generated public outrage, making it possible for four police officers to be criminally indicted. Taken to the jury, they were all acquitted, which sparked a cycle of protests over a week; the protests were harshly repressed by the same police force that threw itself at Rodney King and left more than sixty dead and more than two thousand wounded. Judith Butler’s contribution is dedicated to understanding how it was possible that prosecution and defense both resorted to the recording. How could the same set of images have been “seen” as a demonstration of police violence and as its justification? The author identifies the existence of a racially saturated field of visibility that circumscribes the perception of people who understand themselves as white, whose identity is sustained by the projection of violence on the other racialized as black. In this sense, absolution becomes understandable as the effect of a racist episteme, which takes Rodney King’s black male body as the origin and reason for the violence imposed on him, exempting the police from responsibility. Hence the strategic importance of the public act of reading and rereading the images, which are put into operation within a framework sustained by a racist regime of production and distribution of images that also, very often, retains the possibility of making them readable.