A pergunta "Quem sou eu?" remete tanto à problemática do self (a consciência de si) quanto à da autobiografia (a escrita de si). A noção de um eu que tem consciência de si mesmo e o gênero autobiográfico são construções sociais interligadas, marcadas por transformações históricas e culturais da Modernidade Ocidental e objeto de tematização filosófica, científica e literária. Este trabalho discute ambas as problemáticas em Memórias do subsolo, de Dostoiévski (1864/2009), e A consciência de Zeno, de Italo Svevo (1923/2003). Nessas obras podem-se acompanhar os dilemas modernos do entendimento do self e da escrita de si, mediante o tratamento dado por seus autores tanto à matéria quanto à forma textual. Dois eixos temáticos, a verdade de si como doença e a impossibilidade da autobiografia foram analisados comparativamente, com amparo em molduras teóricas transdisciplinares que contribuem para a revisão do conceito de self e do gênero autobiográfico. Nas obras analisadas observa-se o mesmo desafio às bases cartesianas, individualistas e racionalistas do self e da autobiografia operado pela crítica do sujeito moderno, com a figuração dessas realidades como artefatos sociais relacionais e dialógicos, ao invés de realidades individuais acabadas, privadas, estáticas ou dotadas de coesão. Ambas sublinham a condição precária do eu que ganha forma apenas na relação com e reação aos outros. Cada uma, a seu modo, descontrói a crença em concepções fundantes do eu e da autobiografia, levantando questões que hoje são objeto privilegiado de teorização de uma psicologia de linhagem narrativo-dialógica.
The question "who am I?" evokes both the problem of the self (self-conscious) and the autobiography (self writing). The notion of a self-conscious I and the autobiographical genre are interconnected social constructions, marked by historical and cultural changes of the Western modernity and object of philosophical, scientific and literary reflection. This paper discusses problems in both Dostoevsky's (1864/2009) Notes from the underground, and Italo Svevo's (1923/2003) Confessions of Zeno. In These works we can observe modern dilemmas regarding the understanding of the self and the self writing by their authors' handling of the content and texts form. Two themes, the truth of self as disease and the impossibility of autobiography were examined comparatively with the support of trans-disciplinary theoretical frames which contribute to the revision of the concept of self and the autobiographical genre. In both novels, the same analysis shows the challenge of Cartesian, individualistic and rationalist underpinnings of the self and the autobiography made by the critical debate of the modern subject, by figuring these realities as the social, relational and dialogical artifacts rather than individual, finished, private, static or coherent entities realities. Both underline the I precarious condition that emerges only in the relationship with and in reaction to others. Each novel, in its own way, disrupt the belief in the I founding conceptions and the autobiography, while raising questions that are now special object of theorization of a narrative-dialogical Psychology.
La pregunta "¿quién soy yo?" se refiere tanto al problema del self (auto-conciencia) como de la autobiografía (la escritura de sí mismo). La noción de un yo que es consciente de sí y el género autobiográfico son construcciones sociales interconectadas, marcadas por transformaciones históricas y culturales de la modernidad Occidental y objeto de tematización filosófica, científica y literaria. Este artículo discute los dos problemas en Memorias del subsuelo, de Dostoiévski (1864/2009), y La consciencia de Zeno, de Italo Svevo (1923/2003). En estas obras se pueden acompañar los dilemas modernos de la comprensión del self y de la escritura de sí, a través del tratamiento que sus autores dan tanto al contenido como a la forma textual. Dos temas, la verdad de sí como enfermedad y la imposibilidad de la autobiografía, se analizaron comparativamente con amparo de marcos teóricos transdisciplinarios que contribuyen a la revisión del concepto de self y del género autobiográfico. En las obras analizadas, se observa el mismo desafío a las bases cartesianas, individualistas y racionalistas del self y de la autobiografía operado por la crítica del sujeto moderno, con la figuración de estas realidades como artefactos sociales relacionales y dialógicos, en lugar de realidades individuales acabadas, privadas, estáticas o dotadas de cohesión. Ambas destacan la condición precaria del yo que se concreta sólo en la relación con y reacción a los demás. Cada una, a su manera, deconstruye la creencia en las concepciones fundamentales del yo y de la autobiografía, planteando cuestiones que actualmente son objeto privilegiado de teorización de una psicología de linaje narrativo-dialógico.