No Jardim das Flores, na periferia de uma cidade do interior paulista, moradores interpretam o seu mundo por meio de histórias sobre o céu e o inferno, e a destruição e recriação do mundo. Como interpretar essas interpretações? A partir dessa questão a antropologia de Geertz propõe-se a fazer uma "descrição densa" em que seja possível distinguir um piscar de olhos de uma piscadela marota. As histórias que se contam no Jardim das Flores, porém, não são meras interpretações. Nelas se alojam vontades de interromper o próprio curso do mundo. Ao dizerem algo sobre o mundo, elas irrompem como provocações capazes de suscitar um abrir e fechar dos olhos, com efeitos de despertar. Por meio de imagens carregadas de tensões, uma descrição densa também adquire as qualidades de uma descrição tensa, um assombro. Não seriam as elipses, incoerências e emendas suspeitas - onde um texto parece desmanchar - os sinais do "baixo corporal" do texto que chamamos cultura? Talvez nesses lugares, como as histórias do Jardim das Flores revelam, encontrem-se os subsolos mais férteis de um texto, ou, ainda, o seu fundo escatológico.
In the Garden of Flowers, a peripheral district of a city of the interior of São Paulo, people interpret their world, among other ways, by telling stories about heaven and earth, and the destruction and recreation of the world. How should one interpret these interpretations? As a way for dealing with this question, Geertz developed the notion of 'thick description,' by which one may distinguish a twitch from a wink. The stories told in the Garden of Flowers are not mere interpretations, however. They emerge from the will to interrupt the very course of the world. As they say something about the world, they also erupt as provocations, with awakening effects, causing one's eyes to close and reopen. By means of tension-filled images, 'thick description' may also acquire the qualities of tense description, provoking astonishment. Perhaps ellipses, incoherencies, and suspicious emendations - where a text seems to come apart - are signs of the 'lower bodily stratum' of the text we call culture. As stories of the Garden of Flowers reveal, it is in these places that one may find the more fertile layers of a text, or, still, its eschatological soil.