O texto investiga um elemento estratégico para promovera cristianização do território da América Portuguesa nos dois primeiros séculos de ocupação: as relíquias sagradas, restos físicos dos santos, principalmente seus ossos, mas também outros artefatos com os quais os santos tiveram contato. Os atributos simultâneos de sacralidade e mobilidade da maior parte das relíquias, sua condição de repositório portátil da história e da memória católicas, deram a esses artefatos uma posição altamente privilegiada como agentes da duplicação do território cristão na América. Utilizando fontes documentais dos dois lados do Atlântico Ibérico, o texto investiga processos de descobertas, traslado e produção de relíquias sagradas, revelando sua função primordial de estruturação do espaço cristão. Além disso, mostra que as relíquias sagradas constituíram objetos em torno dos quais missionários e índios estabeleceram um campo de traduções e interlocuções, levando adiante, nas vertentes católica e ameríndia, o difícil trabalho de reconhecimento e apropriação do outro.
This paper looks into a strategy devised to promote the expansion of Christianity across the territory of Portuguese America in the first two centuries of occupation, namely the use of holy relics - i.e. the remains of saints, particularly their bones, as well as artifacts once touched by the saints. Because most of these relics were simultaneously endowed with the qualities of sacredness and mobility, serving as portable repositories for the history and memory of Catholicism, they assumed a critical role as agents for duplicating the Christian domain in America. By drawing on documental evidence from both sides of the Iberian Atlantic, the paper investigates the processes of discovery, transfer and production of holy relics, revealing their key role in efforts to structure a new Christian domain. Furthermore, it shows that holy relics were objects around which missionaries and American Indians established a field of translation and dialogue, carrying on the arduous task of recognizing and appropriating the other, on both fronts: the Catholic and the Amerindian.