A história da Proclamação da República na periferia setentrional do Império brasileiro (1822-1889), assim como as especificidades de suas consequências culturais na região, ainda carece de análises mais detalhadas. No Maranhão de fin de siècle, a crise econômica do sistema agroexportador, somada à crise política do trabalho escravo, legou às primeiras décadas do regime republicano uma intensa luta social em torno da definição dos limites da cidadania, na qual a subalternização racial da população negra é um ponto decisivo. O presente trabalho é uma aproximação desses impasses através da obra ficcional do escritor negro maranhense Raul Astolfo Marques (1876-1918). Filho de uma cafusa livre, o autor é fruto da geração de descendentes escravos que se debateu com a fragilidade da liberdade conquistada na Abolição e do formalismo da igualdade outorgada em 15 de Novembro de 1889. Uma parte significativa da sua literatura poderia ser entendida como uma tentativa sistemática de interpretar essas esperanças e frustrações. O tema da República comparece ao longo de toda a sua trajetória intelectual em textos como "Abnegação" (1901), "A última sessão" (1903), "O discurso do Fabrício" (1903), "A opinião da Euzébia" (1904), "De coroa e barrete" (1908) e "Reis republicanos" (1916). Resta dizer que A nova aurora (1913), seu único romance, é inteiramente dedicado à descrição dos primeiros meses de implantação do regime republicano. Na primeira parte do ensaio indagamos quais "versões da história" e episódios significativos orientam a reconstrução ficcional das consequências do 15 de Novembro na periferia do Brasil, focalizando o conto "O discurso do Fabrício" e a crônica "A última sessão". No segundo momento, abordamos o tratamento literário dado pelo autor ao problema da política pública republicana no governo Rodrigues Alves (1902-1906), período auge da ideologia sanitarista no país e com tremendo impacto no Maranhão, devido à eclosão da peste bubônica no início de 1904. Nesse sentido, articulando texto, pré-texto e contexto, visa-se desvendar os caminhos de uma escolha literária orientada por um ambiente cultural cada vez mais insulado e periférico no jogo político oligárquico nacional, de hegemonia paulista e mineira, mas também mediado por relações de dependência socioeconômica e subordinação racial.
The history of the Republic Proclamation in Northern periphery of the Brazilian Empire (1822-1889), as well as the specificities of its regional cultural consequences still lack more detailed analysis. In Maranhão fin de siècle, the economic crisis of agro-export system added to the slave labor political crisis bequeathed to the republican regime early decades an intense social struggle around the definition of the citizenship boundaries, in which the racial subordination of black people is a crucial point. This paper looks closer to these deadlocks through the fictional work of the black writer Raul Astolfo Marques (1876-1918). Son of a free cafusa, the author is an outgrowth of a generation of slave descendants who have floundered in the fragility of freedom conquered in the formalism of Slave Abolition and equality, granted on November 15, 1889. A significant part of his literature can be understood as a systematic attempt to interpret these hopes and frustrations. The republic subject appears throughout his intellectual career, in writings e.g. "Abnegação" (1901), "A última sessão" (1903), "O discurso do Fabrício" (1903), "A opinião da Euzébia" (1904), "De coroa e barrete" (1908) e "Reis republicanos" (1916). It remains to be said that his only novel A nova aurora (1913) is entirely devoted to the description of the first month of republican regime implementation. In the first part of the present paper, I ask which "versions of history" and significant episodes guide his fictional reconstruction of the November 15th 1889 consequences, focusing the short story "O discurso do Fabrício" and the chronicle "A última sessão". In the second part, I discuss the literary treatment given by the author to the problem of public policy in Rodrigues Alves (1902-1906) republican government, the heyday of sanitation ideology in the country, with tremendous impact in Maranhão due to the outbreak of bubonic plague in early 1904s. In this respect, combining text, pre-text and context, it is intended to unveil the pathways of a literary choice guided by an increasingly insulated and peripheral cultural environment in the oligarchic political game with hegemony of São Paulo and Minas Gerais, but also mediated by dependent socio-economic relations and racial subordination.