RESUMO Em texto redigido na última década do século XX, o crítico Antonio Candido destaca a importância da crônica para a história da literatura brasileira, uma vez que o gênero proporcionou a muitos autores nacionais relevante projeção no meio literário. Acrescentamos a isso, o vigor que a crônica pode manter transformando-se em documento histórico - um retrato, um ponto de vista de seu tempo capaz de reverberar no presente. Nessa perspectiva é que se propõe a leitura de João do Rio, considerado como um dos maiores cronistas do fim do século XIX e início do XX. Conciliando ficção e realidade, ou ainda, imaginação e informação, ele esculpe a sociedade brasileira em sua obra, permitindo imagens nítidas do que, no presente, pode ser apontado como a estrutura política e social do Brasil, desde os tempos coloniais. Com uma linguagem marcada pelo sarcasmo, como destaca Candido, a obra de João do Rio reitera, na atualidade, a relevância de pensarmos o Brasil em sua história, na medida em que apresenta uma crítica evidente à sociedade brasileira do início do século XX, que se tornou mais aguda hoje. E é esse o objetivo do estudo aqui apresentado, ou seja, destacar em três textos de João do Rio, intitulados “A peste”, “A galeria superior” e “Crimes de amor”, temas que evidenciam, em pleno século XXI, traços de um Brasil atrasado e anacrônico, ainda marcado pela desigualdade social, pelo racismo e pela violência contra as mulheres, evidenciando o que denominamos aqui de trilogia da miséria: desproteção de crianças e adolescentes pobres, vitimização dos homens nos crimes passionais e privilégios de classe em períodos de crises sanitárias. Com o estudo em questão, verificamos o quanto a escrita de João do Rio, 100 anos após sua morte, ainda se revela um importante testemunho literário de um Brasil no qual a violência se manifesta de formas diversas em seus modos mais desiguais de convivência social.
ABSTRACT In a text written in the last decade of the 20th century, critic Antonio Candido highlights the importance of the newspaper column for the history of Brazilian literature, as the genre provided many national authors with a relevant projection in the literary world. We add the vigor that the column retains by being transformed into a historical document - a portrait, a point of view of its time capable of reverberating in the present. From this perspective, this study proposes reading João do Rio, considered one of the greatest columnist of the late 19th and early 20th centuries. Reconciling fiction and reality, or even imagination and information, João do Rio’s work sculpts Brazilian society, allowing clear images of what, in the present, can be seen as Brazilian political and social structure since colonial times. With sarcastic language, as highlighted by Candido, João do Rio’s work reiterates, nowadays, the relevance of thinking about Brazil in its history insofar as it presents an evident criticism - intensified nowadays - of Brazilian society at the beginning of the 20th century. The objective of this study is to highlight, based on three texts by João do Rio, “A peste” [The Plague], “A galeria superior” [Upper Gallery], and “Crimes de amor” [Love Crimes], themes that confirm, in the 21st century, traits of a backward and anachronistic Brazil, still marked by social inequality, racism, and violence against women, revealing what we call here “the trilogy of misery”: lack of protection for poor children and adolescents, victimization of men in crimes of passion, and class privileges in times of health crisis. With the study in question, we verify how much João do Rio’s writings -one hundred years after his death - still reveal an important literary testimony of a Brazil in which violence emerges in different ways in its most unequal manners of social coexistence.