Resumo Por meio da reunião de informações contidas nas correspondências diplomáticas, troca de avisos entre as autoridades brasileiras, orientações dos governantes bolivianos aos seus subordinados e fontes legislativas de ambos os Estados, este artigo se propõe a discutir a precariedade de uma possível forma de alforria, ou, ao menos, as implicações das movimentações internacionais de fuga na condição legal dos indivíduos escravizados após cruzarem as linhas de fronteira da província de Mato Grosso em direção à Bolívia. O exame das múltiplas experiências decorrentes do cruzamento entre o trabalho escravizado e as ideias e práticas de liberdade, presentes no imaginário dos prófugos oriundos do lado brasileiro, demonstrarão a importância da mobilidade espacial para a modificação dos campos de possibilidade dos diversos agentes sociais envolvidos diretamente ou indiretamente nas práticas de fuga. Nos casos analisados, as evasões, travessias e fugas não asseguraram necessariamente a aquisição da liberdade para os envolvidos, mas, sim, espaços de autonomia que muitas vezes levavam os fugitivos a viverem sob um limbo jurídico em função do desrespeito em relação às legislações existentes em ambos os lados da fronteira.
Abstract Through the gathering of information contained in diplomatic correspondence, exchange of notices among Brazilian authorities, orientation of Bolivian rulers to their subordinates, and legislative sources from both states, this article proposes to discuss the precariousness of a possible form of manumission, or, at least, the implications of international escape movements on the legal status of enslaved individuals after crossing the border lines of the province of Mato Grosso towards Bolivia. The examination of the multiple experiences resulting from the intersection between enslaved work and the ideas and practices of freedom presents in the imaginary of enslaved people from the Brazilian side will demonstrate the importance of spatial mobility for modifying the fields of possibility of the various social agents involved directly or indirectly in escape practices. In the cases analyzed, evasion, crossing and escape did not necessarily ensure the acquisition of freedom for those involved, but rather spaces of autonomy that often led fugitives to live under a legal limbo due to disrespect for both sides of the border.