O composto diclorofenoxiacetato (2,4-D) foi o primeiro herbicida orgânico, sistêmico, seletivo e de aplicação em pós-emergência desenvolvido no mundo. Juntamente com a revolução verde, ele contribuiu para elevar a produção dos cereais nas décadas posteriores a 1950. Esse produto é uma auxina sintética que pode ser utilizada como regulador do crescimento vegetal ou, ainda, como herbicida para o controle de espécies daninhas dicotiledôneas. Várias espécies infestantes dicotiledôneas que apresentam dificuldade de controle com outros herbicidas são suscetíveis ao 2,4-D. Contudo, a utilização desse herbicida fica restrita pela falta de seletividade em algumas culturas agrícolas. Nas últimas décadas, a descoberta de genes relacionados à tolerância ao 2,4-D em bactérias encontradas no solo e a sua transferência para culturas possibilitaram o desenvolvimento de linhagens tolerantes ao produto. Os objetivos desta revisão de literatura foram apresentar os genes e a atividade das enzimas responsáveis pela tolerância ao herbicida 2,4-D; ilustrar os mecanismos envolvidos na seletividade ao 2,4-D e a outros herbicidas; e equacionar algumas implicações para o manejo de plantas daninhas. O primeiro gene de tolerância ao 2,4-D descoberto foi o tfdA, encontrado no plasmídeo pJP4 da bactéria Cupriavidus necator. Este gene codifica a enzima 2,4-D/oxoglutarato dioxigenase, a qual realiza a conversão do 2,4-D em 2,4-diclorofenol e glioxilato. No final da década de 1980, foi realizada a primeira inserção do gene tfdA em plantas de Nicotiana tabacum, mediada por Agrobacterium tumefaciens. Isso conferiu tolerância de plantas de fumo ao 2,4-D. Resultados similares foram obtidos com inserções posteriores deste gene em plantas de Gossypium hirsutum, Brassica juncea e Vitis vinifera. Com a continuidade dos estudos de bactérias de solo, identificaram-se outros dois genes: o gene rdpA de Sphingobium herbicidivorans MH, que codifica a enzima ariloxialcanoato dioxigenase-1 (AAD-1); e o sdpA de Delftia acidovorans MC1, que codifica a enzima ariloxialcanoato dioxigenase-1(AAD-12). Essas duas enzimas são similares, mas têm cinética enzimática diferenciada e são capazes de degradar o 2,4-D e outros herbicidas. A enzima AAD-1 degrada o 2,4-D e, surpreendentemente, alguns herbicidas inibidores da acetil-CoA carboxilase (ACCase) do grupo dos ariloxifenoxipropionatos (FOPs). A enzima AAD-12 apresenta alta afinidade de ligação com os auxínicos 2,4-D, MCPA, triclopyr e fluroxypyr. Atualmente os genes que codificam estas enzimas estão sendo utilizados para o desenvolvimento de cultivares de soja, algodão e milho tolerantes ao 2,4-D e FOPs. Plantas de soja com o transgene sdpA se mostraram tolerantes ao 2,4-D. Plantas de milho contendo o gene rdpA também são tolerantes aos herbicidas FOPs. Trabalhos realizados com as espécies daninhas Conyza bonariensis, Conyza canadensis e Amaranthus palmeri resistentes ao herbicida glyphosate têm mostrado controle adequado com o 2,4-D. Portanto, os genes sdpA e rdpA são bons candidatos no desenvolvimento de culturas tolerantes ao 2,4-D e deverão ampliar as opções de controle de espécies daninhas de difícil manejo com outros herbicidas.
The compound dichlorophenoxyacetate (2,4-D) was the first organic, systemic, selective herbicide, and for post-emergence application to be developed in the world. Along with the green revolution, this herbicide has helped to increase the cereal production on the decades after 1950. This product is a synthetic auxin that can be used as a plant growth regulator or as an herbicide for the control of broad-leaved weeds. Several broad-leaved weed species that have proved difficult to control with other herbicides are susceptible to 2,4-D. However, the use of this herbicide is restricted due to the lack of selectivity in certain crops. In recent decades, the discovery of genes related to 2,4-D tolerance in soil bacteria and its transfer to crops enabled the development of tolerance to the herbicide. The objectives of this literature review are to describe the enzymes and genes responsible for 2,4-D tolerance; to illustrate the mechanisms involved in the selectivity to 2,4-D and to other herbicides; and to analyze some of the implications for weed management. The first 2,4-D tolerance gene to be discovered was tfdA, which was found in the plasmid pJP4 from the bacterium Cupriavidus necator. This gene encodes for the 2,4 D/oxoglutarate dioxygenase enzyme, which catalyzes the conversion of 2,4-D to 2,4 dichlorophenol and glyoxylate. During the late 1980s occurred the first insertion of the tfdA gene in plants of Nicotiana tabacum via Agrobacterium tumefaciens. This conferred tolerance of tobacco plants to 2,4-D. Similar results were obtained with insertion of this gene into plants from several crops, such as Gossypium hirsutum, Vitis vinifera, and Brassica juncea. Studies on soil bacteria have identified two other genes, the rdpA gene from Sphingobium herbicidivorans MH, which encodes the enzyme ariloxyalkanoate-dioxygenase-1 (AAD-1); and the sdpA gene from Delftia acidovorans MC1, which encodes the enzyme ariloxyalkanoate-dioxygenase-12 (AAD-12). These two enzymes are similar, but have different enzyme kinetics and are able to degrade 2,4-D and other herbicides. The AAD-1 enzyme degrades 2,4-D and, surprisingly, the ariloxyphenoxypropionate (AAPP) herbicides, which inhibit acetyl-CoA carboxylase (ACCase). The AAD-12 enzyme has a high binding affinity with the auxins 2,4-D, MCPA, triclopyr, fluroxypyr. Currently, the genes encoding these enzymes are being used for the development of soybean, cotton, and corn tolerant to 2,4-D and AAPP. Soybean plants with the gene sdpA are highly tolerant to 2,4-D. Corn plants containing the gene rdpA are also tolerant to AAPP. Work carried out with the glyphosate resistant weeds Conyza bonariensis, Conyza canadensis, and Amaranthus palmeri have shown adequate control with 2,4-D. Therefore, the sdpA and rdpA genes are good candidates to develop 2,4-D tolerant crops and should expand the options to control weeds resistant to other herbicides.