RESUMO Estudantes e profissionais de saúde se mostram embaraçados ao se depararem com questões relativas às sexualidades de seus pacientes. Diante disso, não é incomum o estabelecimento de uma relação superficial, erros no diagnóstico e a impossibilidade de condução do tratamento. Pesquisas indicam que essa dificuldade decorre de uma formação inadequada dos profissionais, especialmente no que diz respeito ao cuidado de grupos vulneráveis, cujas experiências extrapolam os marcos heteronormativos hegemônicos que delimitam o campo sexual. No Brasil, poucos estudos buscaram compreender como esse assunto é tratado no ensino médico. Esta investigação se debruçou sobre essa questão e teve como objetivo conhecer, na perspectiva de estudantes de uma escola federal de Medicina, como os aspectos relacionados às sexualidades e aos gêneros são abordados em suas graduações. Trata-se de uma pesquisa qualitativa em que foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 15 estudantes do último ano do curso. As falas foram gravadas, transcritas e examinadas por meio da análise de conteúdo. O diálogo entre as categorias empíricas que se sedimentaram ao longo da investigação e a literatura revelaram dificuldades dos alunos em lidar com um tema que não pode ser completamente apreendido por um saber técnico e operacional. A ideia de que não se fala sobre o assunto no curso de Medicina contribui para velar o fato de que se fala (e se fala muito) sobre tais questões. A abordagem, no entanto, se dá por um viés organicista, que contribui para a manutenção da crença em categorias binárias, naturalizadas e essencializadas, que reforçam as normas que regulam o campo da sexualidade. Apostando no protagonismo de todos aqueles envolvidos no ensino médico, discute-se, finalmente, a necessidade de alterações qualitativas no currículo que possibilitem a construção de novas formas de conhecimento e de atuação. Formas que, valorizando experiências, saberes e práticas pedagógicas diversas, possam romper com as dicotomias e com as hierarquias hegemônicas, transformando positivamente a realidade social.
ABSTRACT Health undergraduates and professionals feel embarrassment when facing issues concerning the sexuality of their patients. As a result, it is not uncommon to see the establishment of a superficial relationship, errors in diagnoses and the impossibility of giving treatment. Studies show that this difficulty is due to inadequate education of these professionals, especially regarding vulnerable groups whose experiences lie beyond the hegemonic heteronormativity which delimits the sexual field. In Brazil, there is limited research which aims to comprehend how this subject has been tackled in medical school. This investigation examined this issue and its main objective was to understand, from the perspectives of undergraduates at a federal medical school, how aspects regarding sexuality and gender are approached in the course. This is a qualitative research involving semi-structured interviews conducted with fifteen students in their final year of the course. The interviews were recorded, transcribed and examined based on content analysis. The subjects of the formal curriculum were also been analyzed, separating the titles of the classes which involved exclusively biological aspects from those which involved psychosocial aspects. Each one of these groups has been considered in relation to the total of content of the curriculum in order to assist us with the analysis of the interviews. The dialogue between the empirical categories and the bibliography shows the difficulty undergraduates feel in dealing with a theme that cannot be completely apprehended by technical and operational knowledge. The idea that the theme is not discussed in medical school contributes to hiding the fact that such a topic is, in reality, widely discussed. However, the approach used is organicist, contributing to the maintenance of binary, naturalized, essentialist categories which reinforce the norms that regulate the field of sexuality. Advocating the pivotal role that all individuals involved in medical education play, we finally discuss the need for qualitative changes in the curriculum which would enable us to build new forms of knowledge and performance. By valuing experiences, expertise and diverse pedagogical practices, these new forms can rupture the hegemonic dichotomies and hierarchies in order to positively transform social reality.