Resumo Fundamento: A maior parte das alterações cardiovasculares dos pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) tem sido associada ao dano miocárdico causado diretamente pelo vírus. Alguns casos, porém, podem estar associados a efeitos adversos da terapia antirretroviral (TARV). Novas técnicas de avaliação da função ventricular são capazes de detectar modificações precoces na função cardíaca do paciente infectado pelo HIV em uso ou não de TARV. A utilidade dessas técnicas tem sido pouco empregada nesses pacientes. Objetivos: Investigar possível influência da terapia antirretroviral (TARV) na ocorrência de disfunção sistólica ventricular esquerda subclínica avaliada pela análise da taxa de deformação miocárdica (strain) por meio do speckle tracking ao ecocardiograma bidimensional (E2D) em pacientes portadores do HIV tratados, comparados com pacientes não tratados e indivíduos saudáveis. Métodos: Sessenta e oito pacientes infectados pelo HIV assintomáticos do ponto de vista cardiovascular, com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE) normal (>0,55 pelo E2D) foram divididos em três grupos: 11 pacientes sem tratamento antirretroviral (ST), 24 em uso de inibidor de protease (IP) e 33 em uso de inibidor de transcriptase reversa não nucleosídeo (ITRNN). Foram estudados também 30 indivíduos normais não infectados pelo HIV (Ctrl). Foram coletados dados demográficos, clínicos, bioquímicos e antropométricos. A ecocardiografia transtorácica foi realizada incluindo no estudo inicial o estudo da deformação miocárdica pela técnica bidimensional (speckle tracking). Estudamos o strain e a sua taxa de deformação (strain rate) nos dezessete segmentos miocárdicos do ventrículo esquerdo (VE) nos eixos longitudinal, circunferencial e radial. A análise estatística dos dados foi feita com o programa IBM SPSS - versão 20 para Windows. Depois de analisados os dados, nomeadamente a normalidade das variáveis independentes nos diferentes grupos e a homogeneidade das variâncias entre os grupos, decidiu-se utilizar o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis seguido dos testes de comparações múltiplas pelo procedimento de Dunn, para testar a significância das diferenças entre os valores medidos nos grupos em estudo. Foi considerado o nível de significância de 5% para a tomada de decisão nos testes estatísticos realizados. Resultados: A média das idades dos pacientes com HIV foi de 40 ± 8,65 anos e a idade média dos controles foi de 50 ± 11,6 anos (p < 0,001). Os valores medianos do strain longitudinal global do VE (SLG) dos pacientes ST (-17.70%), dos pacientes IP (-18.27%) e ITRNN (-18.47%) foram significativamente menores do que o grupo Ctrl (-20,77%; p = 0,001). Não houve diferença significante nos valores médios do SLGentre os pacientes tratados (IP, ITRNN) e não tratados (ST). Não foram observadas diferenças significantes nos valores médios do strain circunferencial e radial, nem nas taxas de deformação circunferencial e radial entre os grupos ST, IP, ITRNN e Ctrl. Conclusão: Os dados sugerem que pacientes com HIV apresentam, à análise da deformação miocárdica ao speckle tracking, sinais de disfunção sistólica incipiente do VE que parece não ter relação com a presença de TARV. O significado prognóstico dessa alteração nesses pacientes merece estudos futuros.
Abstract Background: Most cardiovascular abnormalities in patients infected with the human immunodeficiency virus (HIV) have been associated with myocardial damage directly caused by the virus. Some cases, however, may be associated with adverse effects from antiretroviral therapy (ART). New ventricular function assessment techniques are capable of detecting early changes in the cardiac function of HIV-infected patients using or not using ART. The usefulness of these techniques has been little employed in these patients. Objectives: To investigate the potential influence of antiretroviral therapy (ART) on the occurrence of subclinical left ventricular systolic dysfunction evaluated by myocardial strain rate analysis using two-dimensional speckle tracking echocardiography (2-D Echo) in treated HIV patients compared to untreated patients and healthy individuals. Methods: Sixty-eight HIV-infected patients with no cardiovascular symptoms, normal left ventricular (LV) ejection fraction (> 0.55 on 2-D Echo) were divided into three groups: 11 patients not using antiretroviral therapy (NT), 24 using protease inhibitor (PI) and 33 using non-nucleoside reverse transcriptase inhibitor (NNRTI). We also studied 30 normal non-HIV infected individuals (Ctrl). Demographic, clinical, biochemical and anthropometric data were collected. Preliminary transthoracic echocardiography included study of myocardial strain using two-dimensional speckle tracking. We studied strain and strain rate in the seventeen left ventricular (LV) myocardial segments in the longitudinal, circumferential and radial axes. Statistical analysis of the data was done with IBM SPSS - version 20 for Windows. Upon analysis of the data, namely the normality of independent variables in the different groups and the homogeneity of the variances between the groups, Kruskal-Wallis’ non-parametric test was done, followed by Dunn’s multiple comparison tests to test the significance of the differences between the values measured in the study groups. A significance level of 5% was adopted for decision-making on statistical tests. Results: The mean age of HIV patients was 40 ± 8.65 years and the mean age of controls was 50 ± 11.6 years (p < 0.001). Median LV global longitudinal strain (GLS) of NT patients (-17.70%), PI patients (-18.27%) and NNRTIs (-18.47%) were significantly lower than that of the Ctrl group (-20.77%; p = 0.001). There was no significant difference in mean SLG between treated patients (PI, NNRTI) and untreated (NT) patients. No significant differences were observed in mean circumferential and radial strain, nor on circumferential and radial strain rates between the NT, PI, NNRTI and Ctrl groups. Conclusion: The data suggest that HIV patients present, on myocardial strain measured by speckle tracking, signs of early LV systolic dysfunction that seem to be unrelated to the presence of ART. The prognostic significance of this condition in these patients deserves further studies.