RESUMO O objetivo deste trabalho é apresentar a Medicina Evolutiva à comunidade de educação médica brasileira. A Medicina Evolutiva pode ser definida como a aplicação da teoria da evolução por seleção natural à compreensão de problemas de saúde humana. Essa abordagem inovadora provê a medicina de um quadro teórico organizado que contribui para explicar uma grande diversidade de afecções importantes. Originada em princípios da década de 1990, a Medicina Evolutiva procura explicar as doenças tanto com base em causas fisiológicas próximas, normalmente mobilizadas pela medicina, quanto com base em causas evolutivas distantes, responsáveis pelo aparecimento e manutenção, ao longo da história da Terra, de estruturas biológicas úteis e funcionais. A Medicina Evolutiva está estruturada em torno da ideia principal de que as características biológicas funcionais resultam de processos evolutivos, adaptativos. Procura-se com isso entender muitas doenças em termos de vulnerabilidades das adaptações legadas por nossa herança filogenética, como no caso de desajustes do corpo humano em relação ao ambiente moderno. Além de apresentar uma definição de Medicina Evolutiva, discutimos dois problemas que têm sido abordados à luz da teoria da evolução por seleção natural. Em primeiro lugar, discutimos como a emergência e a distribuição geográfica e étnica da intolerância à lactose (e sua contrapartida, a persistência da lactase) só podem ser compreendidas considerando-se a história evolutiva recente de nossa espécie, incluindo suas transformações culturais. As limitações de explicações prévias que prescindiam desses fundamentos são apresentadas. Em seguida, abordamos o caso das hérnias discais. Tentamos demonstrar as relações entre essa condição e os desajustes da postura bípede ao estilo de vida moderno. A compreensão desse desajuste e as restrições à ação da seleção natural ao adaptar a estrutura quadrúpede a uma vida bípede estão entre os conceitos específicos utilizados para formular uma hipótese com potencial diagnóstico relevante. Concluímos este ensaio sugerindo maneiras pelas quais estudantes de Medicina poderiam incorporar esse saber relativamente novo em sua formação.
ABSTRACT The aim of this paper is to introduce some principles of Evolutionary Medicine to the community of medical educators in Brazil. Evolutionary Medicine can be defined as the application of the theory of evolution through natural selection to the understanding of human health problems. This innovative approach provides the medical field with a theoretical framework which contributes to the explanation of a great variety of serious disorders. Evolutionary Medicine, which dates back to the early 1960s, aims to explain diseases based both on recent physiological causes — those most commonly addressed by medicine — and on more distant evolutionary causes — those responsible for the emergence and survival of useful and functional biological structures throughout the history of the planet. Evolutionary Medicine rests on the assumption that functional biological characteristics are the result of evolutionary adaptive processes. Therefore, it is possible to analyze a great number of diseases in terms of adaptive vulnerabilities connected to our phylogenetic inheritance, such as human bodily inadequacies in relation to the modern environment. Besides presenting a definition of Evolutionary Medicine, this paper discusses two health problems recently dealt with in the light of the theory of evolution through natural selection. First, we discuss how the appearance, the ethnic and geographic distribution of lactose intolerance (and, on the other hand, the persistence of lactase) can only be understood taking our species’ recent evolutionary history (including its cultural transformations) into consideration. The limitations faced by previous explanations, which lacked evolutionary causes — are discussed. Secondly, the paper discusses herniated spinal disc, trying to demonstrate the link between this condition and the adaptation problems that bipedal posture may entail in view of the demands of modern lifestyle. The understanding of such problems of adaptation, combined with restrictions to natural selection pressures when adjusting a quadruped structure to a biped lifestyle, serve as the basis for the development of specific concepts used to formulate a hypothesis with relevant diagnostic potential. Finally, the paper describes ways in which medical students could incorporate this relatively new knowledge into their education.