RESUMO: Propõe-se, neste artigo, uma leitura do complexo entrelaçamento de ficção, história, crítica literária, filosofia política e interseccionalidade, urdido na metaficção “Aquele que é digno de ser amado” (2017), de Abdellah Taïa, como forma de apropriação da obra de André Gide. Debate-se a releitura culturalista, efetuada pelo romance, do orientalismo sexual efebófilo do autor francês. Discute-se a analogia política estabelecida entre suas práticas sexuais com rapazes africanos e uma trama narrativa na qual o cotidiano da relação amorosa entre dois intelectuais, um marroquino imigrante em Paris e um nativo parisiense, está imbuído de motivações orientalistas, as quais Ahmed, narrador-personagem, chamará de “neocolonialistas". Espera-se demonstrar o pensamento crítico de Taïa ao expor a complacência da crítica literária em língua francesa relativa à objetificação dos corpos e das vidas dos sujeitos árabes representados na obra gideana. Para tanto, trata-se da recepção dos estudos culturais na França, de acordo com Brisson (2018) e Smouts (2010). Apresentam-se sumariamente os pressupostos metodológicos de Said (1990,1995) sobre o orientalismo, bem como uma contextualização, na obra de Gide, de seu “turismo oriental-sexual”. Passa-se, então, à análise da “transcontextualização” irônica (Hutcheon, 1985) empreendida pela narrativa de Abdellah Taïa. Recorre-se, igualmente, ao conceito de “não-lugar” da literatura de Souza (1999), para compreender os juízos de valor acerca do texto literário na crítica cultural e nos estudos literários. Da fortuna crítica de Abdellah Taïa e André Gide, invocam-se Heyndels e Zidouh (2020); Sanson (2013) e Kopp (2019), respectivamente.
ABSTRACT: This article proposes a reading of the complex intertwining of fiction, history, literary criticism, political philosophy and intersectionality, woven into the metafiction Aquele que é digno de ser amado (2017), by Abdellah Taïa, as a form of appropriation of André Gide’s work. The culturalist reinterpretation, carried out by the novel, of the ephebophile sexual orientalism of this French author is debated. It discusses the political analogy established between her sexual practices with African boys and a narrative plot in which the daily life of the love relationship between two intellectuals, a Moroccan immigrant in Paris and a native Parisian man, is imbued with orientalist motivations, which Ahmed, narrator-character, call neocolonialists. It is expected to demonstrate Taïa's critical thinking by exposing the complacency of literary criticism in French regarding the objectification of the bodies and lives of the Arab subjects represented in Gide's work. Therefore, it is about the reception of cultural studies in France, according to Brisson (2018) and Smouts (2010). The methodological assumptions of Said (1990, 1995) on orientalism are briefly presented, as well as a contextualization, in Gide's work, of his “oriental-sexual tourism”. We then move on to the analysis of the ironic “transcontextualization” (HUTCHEON, 1985) undertaken by Abdellah Taïa's narrative. The concept “não-lugar da literature” by Souza (1999) is also used to understand the value judgments about the literary text in cultural criticism and literary studies. From the critical fortune of Abdellah Taïa and André Gide, it refers to articles by Heyndels and Zidouh (2020); Sanson (2013) and Kopp (2019), respectively.