Esse artigo tem como objetivo apresentar uma investigação mais sistemática do que se convencionou chamar de cracolândia, para além de uma série de representações estigmatizantes atreladas ao bairro da Luz e ao centro de São Paulo, principalmente pela mídia impressa e televisiva. O uso do crack está se tornando um tema de crescente preocupação no Brasil, com notícias recorrentes sobre a “proliferação de cracolândias” em várias cidades, e devemos compreender o que está em jogo em cada uma dessas configurações. A partir da observação etnográfica das redes de relações e conexões, procuraremos trabalhar a ideia da cracolândia como uma modalidade de territorialidade itinerante dentro de um contexto multifacetado e marcado por inúmeras variações situacionais. Essa reconstituição etnográfica é baseada principalmente em nossas interações com o Centro de Convivência É de Lei, uma ONG que trabalha com ações voltadas à redução de danos junto aos usuários de crack na região em questão. Nesse contexto, as ações do É de Lei ocorrem dentro de um campo de mediação assinalado também pelas ações de agentes ligados a entidades públicas, de outras ONGs e igrejas, bem como policiais, seguranças particulares, lojistas, moradores e transeuntes. Um dos desafios consiste em compreender e explicar tal territorialidade frente às recentes dinâmicas políticas que reconfiguram o contexto pesquisado, marcado pela presença dos nóias, categoria relacional acionada de forma múltipla e recorrente para se referir aos usuários de crack.
The aim of this paper is to present a more systematic investigation of what is commonly called crackland (cracolândia), going beyond the stigmatized representations of the Luz neighborhood and the center of São Paulo shown especially by the press and television. The use of crack cocaine is currently becoming a theme of increasing concern in Brazil, with repeated news about the “proliferation of cracklands” in various cities, and what each of these means must be understood. Exploring networks of relationships and connections from an ethnographic perspective, we will work with the idea of crackland as a type of itinerant territoriality within a multifaceted context, and marked by multiple situational variations. This ethnographic reconstitution is mainly based on our interactions with “É de Lei”, an NGO that works with harm reduction for users of crack cocaine in the region in question. The actions of É de Lei take place within a field of mediation which also involves actions of agents linked to public authorities, to other NGOs and to churches, as well as policemen, private security guards, shopkeepers, residents and passers-by. One of the challenges consists of understanding and explaining this territoriality in view of the recent political changes in the context researched, characterized by the presence of “noias” (a word derived from the term paranoia), a relational category used to refer to crack cocaine users.