Ao longo do litoral brasileiro foram erigidos, na pré-história, centenas de depósitos, constituídos principalmente por restos de organismos marinhos, denominados sambaquis. Essas formações de origem antrópica despertaram a curiosidade da comunidade científica, especialmente a partir do século XIX; entretanto, permanecem pouco conhecidas no contexto pedológico. Este trabalho objetivou caracterizar e identificar resultados dos processos pedogenéticos, que produziram alterações físico-químicas e morfológicas, bem como comparar solos de sambaquis com outros solos antropogênicos do Brasil, já conhecidos. Quatro perfis de solos desenvolvidos de sambaquis na Região dos Lagos - RJ foram estudados. Os solos foram descritos morfologicamente, e amostras foram coletadas para execução de análises físicas e químicas. As análises químicas revelaram que os elementos Ca, Mn, Mg e, especialmente, P e Zn são indicadores de horizontes antrópicos de solos de sambaquis, à semelhança das Terras Pretas de Índio da Amazônia. Após a deposição de materiais ricos em fósforo, reações e lixiviação podem alterar drasticamente as evidências de camadas feitas pelo homem in situ, porém estudos químicos e mineralógicos das formas de fósforo podem elucidar a complexidade aparente. Horizontes ricos em fósforo sem a deposição direta de materiais antrópicos indicam a lixiviação de P e sua precipitação em formas secundárias. Os teores de Ca, Mg, Zn, Mn, Cu, P e C-orgânico dos solos de sambaquis são muito maiores em comparação aos dos solos regionais sem interferência de antigos assentamentos humanos, o que demonstra a permanência de elevada fertilidade por longo período - em alguns sítios, superior a 4 mil anos. Quanto às análises físicas, elas mostraram que o aporte eólico de areias foi significativo no incremento dessa fração na composição dos solos analisados - todos se mostraram entre as classes texturais areia, franco-arenosa e franco-argiloarenosa - e que o acúmulo de areias eólicas foi contemporâneo à formação dos sambaquis.
In prehistoric times, innumerous shell middens, called "sambaquis", consisting mainly of remains of marine organisms, were built along the Brazilian coast. Although the scientific community took interest in these anthropic formations, especially since the nineteenth century, their pedological context is still poorly understood. The purpose of this study was to characterize and identify the physical and chemical changes induced by soil-forming processes, as well as to compare the morphology of shell midden soils with other, already described, anthropogenic soils of Brazil. Four soil profiles developed from shell middens in the Região dos Lagos - RJ were morphologically described and the physical and chemical properties determined. The chemical analysis showed that Ca, Mn, Mg, and particularly P and Zn are indicators of anthropic horizons of midden soils, as in the Amazon Dark Earths (Terras Pretas de Índio). After the deposition of P-rich material, P reaction and leaching can mask or disturb the evidence of in situ man-made strata, but mineralogical and chemical studies of phosphate forms can elucidate the apparent complexity. Lower phosphate-rich strata without direct anthropic inputs indicate P leaching and precipitation in secondary forms. The total and bioavailable contents of Ca, Mg, Zn, Mn, Cu, P, and organic C of midden soils were much higher than of regional soils without influence of ancient human settlements, demonstrating that the high fertility persisted for long periods, at some sites for more than 4000 years. The physical analysis showed that wind-blown sand contributed significantly to increase the sand fraction in the analyzed soils (texture classes sand, sandy loam and sandy clay loam) and that the aeolian sand accumulation occurred simultaneously with the midden formation.