Da perspectiva de um Estado ambíguo, gerador de insegurança, elaborou-se, a partir de exemplos concretos do caso do re-assentamento rural de Itaparica, um quadro que pudesse facilitar a compreensão de processos de adoecimento, sofrimento e administração de saúde, como fases de grandes projetos de desenvolvimento. Nesses processos, o Estado é o mais presente de todos os atores, e a partir das intensificações e retrações da sua presença, uma série de fatores de geração de insegurança se torna muito mais transparente. No caso em pauta, no sub-médio Rio São Francisco, entre Bahia e Pernambuco, o ofício agrícola dos reassentados foi o eixo organizador. Caracterizaram-se quadros de geração de insegurança estrutural, relacionada à omissão do Estado perante os pobres; insegurança administrada, relacionada à intervenção e super-inclusão no projeto de desenvolvimento; e insegurança coletiva local, relacionada à formação cotidiana local das relações de poder. Foi possível acompanhar as quatro fases: preparação e divulgação, implantação, desenvolvimento, e emancipação com dados etnográficos sobre as relações entre os agricultores reassentados, o Pólo Sindical, a executora governamental (CHESF) e outros agentes, dos anos 1970 até hoje. As modificações na vulnerabilidade da população se associam às transformações nas articulações entre os diferentes quadros de inseguranças gerados pelo processo. Argumentou-se, com base nas vulnerabilidades mencionadas e no realinhamento das relações de poder, que a terceira fase, de desenvolvimento, de fato caracterizava-se como de retração, e que a presença do Estado marcava profundas e indeléveis transformações, que impossibilitavam pensar em as fases subseqüentes de emancipação.
From the point of view of an ambiguous State which generates insecurity, a framework for the understanding of the relation between processes of illness, suffering and health administration and phases of large development projects is presented. In these processes the presence of the State overshadows that of the other actors. The intensification and retraction of this presence brings to light a series of factors related to the generation of insecurity. For the case of the sub-médio São Francisco River Basin between Bahia and Pernambuco, the organization of agriculture of the resettled farmers guides this discussion. Three categories of insecurity generation are characterized: structural insecurity, related to State omission in dealing with poor; administrated insecurity, related to its intervention and super-inclusion, and local collective insecurity, related to daily local formation of power relations. The four resettlement project phases of preparation and communication, implantation, development and emancipation are examined in light of ethnographic data on resettled farmers, the Syndical Pole, the governmental administrator of the project (CHESF) and other agents, for the period from the seventies up to present day. The study reveals how changes in the vulnerability of the population are associated with changes in the specific set of interrelations of insecurity generation frameworks throughout the resettlement process. On the basis of these vulnerabilities and the shifting power relations, it is argued that the third phase, called "development," in fact should be designated as of "retraction", and that the profound and indelible changes make it impossible to think of any following phase of "emancipation.".