Fazendo a leitura cruzada de um tardio ensaio de Kant – Anúncio da próxima assinatura de um tratado para a paz perpétua em filosofia (1796) – e da segunda secção do primeiro capítulo da Teoria Transcendental do Método da Crítica da Razão Pura, que leva o título "Disciplina da razão pura em relação ao seu uso polémico", tenta-se identificar e compreender a aparente contradição do programa da crítica kantiana da razão, o qual, se, por um lado, se anuncia com a intenção de resolver os intermináveis conflitos que têm lugar na arena da razão pura, superando o escândalo das aparentes contradições da razão consigo mesma e estabelecendo, enfim, a "paz perpétua em filosofia", por outro, conduz-se mediante um procedimento dialéctico inspirado na retórica judicial, fazendo apelo a um "uso polémico da razão pura", como sendo a forma mais adequada e, na verdade, segundo o filósofo crítico, a única disponível, para neutralizar, seja as pretensões do dogmatismo, seja as do cepticismo a propósito das questões metafísicas. Ao mesmo tempo que a nossa reflexão nos leva a caracterizar a pax philosophica kantiana e as pressupostas homologias entre a solução dos conflitos políticos e a dos conflitos especulativos, chega-se por ela também a reconhecer que toda a filosofia kantiana está originariamente determinada por uma concepção agónica da vida, da sociedade humana, do cosmos, da própria razão.
We compare Kant's essay Announcement of the forthcoming signing of a treaty for perpetual peace in philosophy with the second section in chapter one of the Transcendental Theory of Method of the Critique of Pure Reason ("Discipline of pure reason in respect of its polemical use"), and try to identify and understand the seeming contradiction of Kant's program. On the one hand Kant intends to solve the unending conflicts in the arena of pure reason by overcoming the apparent contradictions of reason with itself, and thus at last establishing "perpetual peace in philosophy". On the other hand he follows a dialectical procedure inspired by judicial rhetoric, appealing to a "polemical use of pure reason" as the most adequate and indeed the only way possible of neutralizing the pretensions of both dogmatism and scepticism. Our reflection leads us to characterize Kant's pax philosophica and the pressuposed homologies between the solution of political and speculative conflicts. We also recognize that Kantian philosophy is originally determined by an agonic conception of life, human society, the cosmos, and reason itself.