Resumo A consciência de que a escravidão não desapareceu com a abolição trouxe de volta discussões sobre dicotomias e tensões que foram deixadas sem solução no contexto da abolição. A reparação para as pessoas que foram escravizadas está entre estas questões mal resolvidas. O Brasil se tornou um dos primeiros países a reconhecer a existência da escravidão contemporânea. No entanto, quando esses trabalhadores são resgatados do trabalho escravo por agentes do governo, as medidas de reparação parecem inadequadas para garantir que eles superarão as vulnerabilidades que os levaram a serem explorados inicialmente. Para compreender os desafios que impedem a efetividade do sistema de reparação, este artigo conta com a colaboração com trabalhadores de Barras (Piauí), que foram submetidos ao trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde. As narrativas dos trabalhadores – coletadas através da metodologia história oral, durante uma viagem em março de 2016 –, ajudam a superar o debate em curso nos estudos sobre reparações relacionado com o discurso dos “desejos e necessidades” das vítimas, e revelam que qualquer medida de reparação que pretenda promover emancipação social, tem de lidar com as ausências do direito à participação, segurança, padrões de vida adequados, saúde, habitação adequada, educação e o direito à terra.
Abstract The awareness that slavery did not disappear with abolition has brought back discussions about dichotomies and tensions that were left unresolved in the context of the abolition. Remedy for people that were enslaved is among these unresolved issues. Brazil became one of the first countries to recognize the existence of contemporary slavery. However, when workers are rescued by government’s agents from slave labor, remedy measures seem inadequate to guarantee that they will surpass the vulnerabilities that lead them to be exploited in the first place. To understand the challenges preventing the effectiveness of the remedy system, this article relies on the collaboration with workers from Barras (Piauí), that were subjected to slave labor in the Brasil Verde Farm. The workers’ narratives – collected through oral history methodology, during a fieldtrip to Piauí, in March 2016 –, help to overcome the ongoing debate on remedy studies related to the discourse of victims’ “wants and needs”, and reveal that any reparation measure that intend to promote social emancipation has to deal with the absences of the right to participation, security, adequate standards of living, health, adequate housing, education, and also access to land.