RESUMO O ensino da acupuntura vem sendo progressivamente introduzido em cursos médicos no Brasil e no mundo. Na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói (RJ), a reforma curricular da Faculdade de Medicina, implementada em 1994, possibilitou a oferta da disciplina optativa Medicina Tradicional Chinesa/Acupuntura a partir de 1995, além da criação, em 1997, de um curso de especialização em acupuntura destinado ao público médico. Este artigo apresenta um estudo que buscou identificar os principais desafios e perspectivas relacionados a esse ensino na graduação e pós-graduação médicas da UFF, resgatando o debate sobre a polarização paradigmática entre a acupuntura da MTC e a acupuntura neurofisiológica. Foi realizada uma pesquisa qualitativa de caráter etnográfico com análise documental, observação dos cenários de sala de aula e entrevistas semiestruturadas com o professor e alunos da disciplina e curso selecionados. De forma complementar, para garantir a triangulação de informações, utilizou-se a técnica do grupo focal com ex-alunos da graduação médica. O tratamento e a interpretação dos dados deste estudo se ancoraram na discussão epistemológica de Thomas Kuhn – o conceito de paradigmas e a questão da incomensurabilidade de ideias. Os resultados desta pesquisa mostraram que, apesar das diferenças paradigmáticas significativas, há interesse e receptividade de estudantes de Medicina e médicos na abordagem integrativa do processo saúde-doença oferecida pela medicina tradicional chinesa/acupuntura. Entre os aspectos positivos levantados, destacam-se a valorização da abordagem de dimensões do adoecimento humano negligenciadas pela biomedicina, o favorecimento da construção de um olhar integral sobre o sujeito e os bons resultados obtidos nos tratamentos com acupuntura. Os principais desafios apontados foram a necessidade de promover maior integração teórico-prática nas aulas, sugerida pelos alunos da graduação, e a crítica ao reducionismo no ensino da MTC/acupuntura, com simplificação exagerada de conteúdos complexos, feita pelos alunos da pós-graduação. Duas conclusões se destacaram neste estudo. Constatou-se um duplo padrão de aprendizado: abertura dos estudantes de graduação e pós-graduação médicas para o paradigma da medicina chinesa devido às suas especificidades e múltiplas abordagens terapêuticas, ao mesmo tempo em que se buscavam aproximações com o modelo biomédico. A complementaridade entre o paradigma da medicina chinesa e o das neurociências foi a principal característica do processo de incorporação da acupuntura ao ensino médico da UFF.
ABSTRACT The teaching of acupuncture has gradually been introduced into medical courses in Brazil and worldwide. At Universidade Federal Fluminense (UFF), in Niterói, Rio de Janeiro, the newly reformulated medical course curriculum, introduced in 1994, included the offer of an optative discipline in Traditional Chinese Medicine/Acupuncture to start the following year, and also the creation, in 1997, of a specialization course in Acupuncture for qualified medical doctors. In this article, we present a study that aims to identify major challenges and perspectives in Chinese Medicine teaching for undergraduate and graduate students at the UFF medical school, emphasizing the paradigmatic polarization between Traditional Chinese Medicine (TCM) and Neurophysiological Acupuncture. We performed a qualitative, ethnographic study involving document analysis, observation of classroom scenarios, and semi-structured interviews with the teacher and students of the selected discipline and course. In order to ensure triangulation of information, we also used the focus group technique, with former undergraduate students. The data treatment and interpretation of this study were anchored in the epistemological discussion of Thomas Kuhn – the concept of paradigms and the incommensurability of scientific theories. The results of this study show that despite the significant paradigmatic differences, medical students and doctors demonstrate interest in and receptivity towards the integrative approach of health-disease processes offered by traditional TCM. The following positive aspects were highlighted: the valorization of dimensions of human sickness hitherto neglected by biomedicine, the building of an integral perspective on the subject, and the good results obtained with acupuncture. The graduate students noted the need to increase integration between theory and practice, and criticized the reductionism in TCM teaching, with the excessive simplification of complex subjects. Two conclusions can be drawn from this study. A double learning pattern was observed: the interest among undergraduate and graduate students in Traditional Chinese Medicine paradigm, due to its specificities and multiple therapeutic approaches and, at the same time, a search for comparisons with the biomedical model. The complementarity between the paradigms of Traditional Chinese Medicine and neurosciences was the most important characteristic of the introduction of teaching on acupuncture at UFF.