Resumo Este artigo compara e analisa a parte sobre o Brasil na Histoire philosophique des établissements et du commerce des Européens dans les deux Indes, de Guillaume Thomas François Raynal, nas edições de 1770, 1774 e 1780. Pretende-se confrontar as ideias difundidas pela historiografia corrente sobre esta que foi a obra setecentista mais lida à época, com os juízos que, nas suas várias edições, vão surgindo acerca da América portuguesa. Para efeito, recortou-se alguns temas: primeiramente, os habitantes e os povoadores desse Novo Mundo, isto é, ameríndios, depois, negros e portugueses criolos - colonos nascidos no Brasil de ascendência portuguesa -, e, por fim, a administração, destacando-se o período pombalino e o Diretório dos Índios. Contra as opiniões mais difundidas, que apresentam a obra como uma "máquina de guerra" disparada contra a opressão e o colonialismo, o discurso de Raynal, particularmente na última edição (1780), menos coerente mas com uma maior riqueza de informações e novos juízos de valor, revela-se surpreendentemente benevolente em relação ao Brasil colonial. Ao contrário dos repetidos lugares comuns, os tópicos da miscigenação dos colonos, da libertação dos índios e da alforria dos escravos, explicação para a ausência de revoltas, antecipam os temas do luso-tropicalismo freyriano.
Abstract This article compares and analyzes the sections on Brazil in the 1770, 1774 and 1780 editions of Histoire philosophique des établissements et du commerce des Européens dans les deux Indes, by Guillaume Thomas François Raynal. The aim is to contrast the ideas disseminated by the current historiography about this eighteenth-century work, which was the most widely read of its time, with the judgments about Portuguese America that emerge in those editions. In effect, some issues stand out: first, the inhabitants and settlers of this new world, that is, Amerindians, then Blacks and Creole Portuguese - Brazilian-born settlers of Portuguese descent - and finally, its administration, highlighting the Pombaline period and the Indian Directorate. Contradicting the prevalent opinions that see this work as a "war machine" fired at oppression and colonialism, Raynal's discourse, which is less consistent but contains a greater wealth of information and new value judgments, particularly in the last edition (1780), proves to be surprisingly benevolent towards colonial Brazil. Unlike repeated commonplace observations, the topics of the miscegenation of the settlers, the liberation of the Amerindians and the manumission of slaves - an explanation for the absence of revolts - foreshadow the themes of Freyrian Lusotropicalism.