RESUMO No âmbito de processos de estratificação, categorização, organização e legitimação da desigualdade no capitalismo constitutivos da sociedade atual, descrevemos e discutimos, neste artigo, o modo como lideranças indígenas subvertem recursos textuais ao darem resposta às exigências de elaboração de documentos escolares que instituições governamentais fazem às escolas de suas comunidades. Os dados aqui apresentados foram gerados, através de uma abordagem etnográfica, em uma ação de extensão de um programa federal de formação continuada de professores indígenas, a Ação Saberes Indígenas na Escola, desenvolvida no estado de Santa Catarina, em terras indígenas guarani, kaingang e laklãnõ-xokleng. O dado sobre o qual nos debruçamos é um texto de Kerexu Yxapyry, liderança mbya-guarani da Terra Indígena Morro dos Cavalos (Palhoça/SC). A análise e a discussão que tecemos com base nele são pautadas em estudos atentos às realidades linguístico-discursivas do campo situado e às ideologias que são articuladas para controle e regulamentação de recursos textuais nas práticas sociais. Os resultados da discussão apontam para uma obediência subversiva das lideranças ao se apropriarem de recursos textuais em práticas de letramento, criando, recriando e decidindo em prol de dominar sua realidade e fazer cultura. Gêneros textuais, como um projeto político-pedagógico (PPP), acabam se constituindo, no campo da educação escolar indígena, como se verifica no nosso contexto aplicado, em frentes de batalha ligadas ao letramento e às regras e exigências complexas e pesadas que polícias discursivas buscam impor para conjurar os poderes e perigos dos discursos indígenas em relação à educação escolar que desejam. Nessa frente, defendemos que a subversão de elementos textuais pode ser interpretada como fazendo parte de práticas de letramentos de reexistência, aqueles em que sujeitos agentes contestam moldes e espaços socialmente legitimados em relação aos usos da linguagem, situando-se na fronteira entre a obediência e a subversão textual nas periferias do capitalismo.
ABSTRACT Among other processes of stratification and categorization within inequality in capitalism, we aim to describe and discuss, in this paper, the process of subversion of textual resources on behalf of Brazilian Native Guarani leaders seeking to respond to institucional requirements concerning documents regulating their schools. The ethnographic data that are here presented were generated within a situated context, particularly, within an extension action (within a federal program for indigenous teacher training), the Indigenous Knowledge at School Action, developed inside Guarani, Kaingang and Laklãnõ-Xokleng’s lands. The piece of data on which we focus makes part of a speech by Kerexu Yxapyry, Mbya-Guarani leader from Morro dos Cavalos Indigenous Land (Palhoça, Santa Catarina). The analyses and the discussion are supported by research works on linguistic-discursive realities from the applied field and by how ideologies are articulated to control and rule over linguistic resources in social practice. The results of the discussion reveal a subversive obedience in the way Native leaders such as Kerexu make some textual resources their own in literacy practices, thus creating, re-creating and deciding, so as to be able to dominate their reality and make culture. Textual genres, such as a political-pedagogical projects, become battlefronts concerning literacy and the heavy rules and demands that discursive polices seek to establish in order to diminish the power of indigenous discourses about their school education. Within those battlefronts, we understand that the subversion of textual elements can be interpreted as being a reexistence literacy practice, i.e. one that contests socially legitimated patterns and spaces in what concerns to language use. Those practices take place within the borders between textual obedience and subversion in the peripheries of capitalism.