RESUMO CONTEXTO: Paralisia cerebral pode estar associada com comorbidades como desnutrição, déficit de crescimento e sintomas gastrintestinais. Os problemas alimentares na paralisia cerebral podem ser secundários a anormalidades anatômicas e funcionais que interferem no processo de alimentação. OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi avaliar a associação entre ingestão alimentar, estado nutricional e sintomas gastrintestinais em crianças com paralisia cerebral. MÉTODOS: Estudo transversal que incluiu 40 crianças com paralisia cerebral (35 com tetraparesia espástica e 5 com coreoatetose não-espástica) com idade entre 4 e 10 anos. Todos os pacientes permaneciam exclusivamente na cama ou dependiam de cadeiras de rodas. Foi utilizado o inquérito dos alimentos consumidos habitualmente em casa que foi respondido pelos pais. Foram mensurados os dados antropométricos. Sintomas gastrintestinais associados com distúrbios da deglutição, refluxo gastroesofágico e constipação intestinal crônica foram obtidos. RESULTADOS: A mediana do escore Z da estatura para idade (-4,05) foi menor (P<0,05) do que a mediana de peso-idade (-3,29) e peso-estatura (-0,94). Não se observou diferença entre os escores Z de peso-idade e peso-estatura. Três pacientes com paralisia cerebral (7,5%) apresentavam anemia leve com valor normal de ferritina. Sintomas de disfagia, refluxo gastroesofágico e constipação intestinal ocorreram, respectivamente, em 82,5% (n=33), 40,0% (n=16) e 60,0% (n=24) dos pacientes estudados. Os pacientes com sintomas de disfagia apresentaram menor ingestão energética diária (1280,2±454,8 Kcal vs 1890,3±847,1 Kcal; P=0,009), de carboidratos (mediana: 170,9 g vs 234,5 g; P=0,023) e de líquidos (483,1±294.9 mL vs 992,9±292,2 mL; P=0,001). Os pacientes com sintomas de refluxo gastroesofágico apresentaram maior ingestão diária de líquidos (720,0±362,9 mL) em relação aos pacientes sem este tipo de manifestação clínica (483,7±320,0 mL; P=0.042) além de maior déficit de estatura-idade (escore Z: -4,9±1,7 vs 3,7±1,5; P=0,033). Os pacientes com sintomas de constipação intestinal apresentaram menor ingestão diária de fibra alimentar (9,2±4,3 g vs 12,3±4,3 g; P=0.031) e líquidos (456,5±283,1 mL vs 741,1± 379,2 mL; P=0,013). CONCLUSÃO: Crianças com paralisia cerebral apresentam uma grande variabilidade na ingestão alimentar que pode, pelo menos em parte, constituir um fator de agravo para o déficit de crescimento. Sintoma de disfagia, refluxo gastroesofágico e constipação intestinal associaram-se com diferentes padrões de ingestão alimentar. Portanto, a intervenção nutricional deve ser individualizada levando em consideração os sintomas gastrintestinais e o estado nutricional.
ABSTRACT BACKGROUND: Cerebral palsy may be associated with comorbidities such as undernutrition, impaired growth and gastrointestinal symptoms. Children with cerebral palsy exhibit eating problems due to the effect on the anatomical and functional structures involved in the eating function resulting in malnutrition. OBJECTIVE: The aim of this study was to investigate the association between food intake, nutritional status and gastrointestinal symptoms in children with cerebral palsy. METHODS: Cross-sectional study that included 40 children with cerebral palsy (35 with spastic tetraparetic form and 5 with non-spastic choreoathetoid form of cerebral palsy, all requiring wheelchairs or bedridden) aged from 4 to 10 years. The dietary assessment with the parents was performed using the usual household food intake inquiry. Anthropometric data were collected. Gastrointestinal symptoms associated with deglutition disorders, gastroesophageal reflux and chronic constipation were also recorded. RESULTS: The median of height-for-age Z-score (-4.05) was lower (P<0.05) than the median of weight-for-age (-3.29) and weight-for-height (-0.94). There was no statistical difference between weight-for-age and weight-for-height Z-scores. Three patients with cerebral palsy (7.5%) exhibited mild anemia, with normal ferritin levels in two. Symptoms of dysphagia, gastroesophageal reflux, and constipation were found in 82.5% (n=33), 40.0% (n=16), and 60.0% (n=24) of the sample, respectively. The patients with symptoms of dysphagia exhibited lower daily energy (1280.2±454.8 Kcal vs 1890.3±847.1 Kcal, P=0.009), carbohydrate (median: 170.9 g vs 234.5 g, P=0.023) and fluid intake (483.1±294.9 mL vs 992.9±292.2 mL, P=0.001). The patients with symptoms of gastrointestinal reflux exhibited greater daily fluid intake (720.0±362.9 mL) than the patients without symptoms of gastroesophageal reflux (483.7±320.0 mL, P=0.042) and a greater height-for-age deficit (Z-score: -4.9±1.7 vs 3.7±1.5, P=0.033). The patients with symptoms of constipation exhibited lower daily dietary fiber (9.2±4.3 g vs 12.3±4.3 g, P=0.031) and fluid (456.5±283.1 mL vs 741.1±379.2 mL, P=0.013) intake. CONCLUSION: Children with cerebral palsy exhibited wide variability in food intake which may partially account for their severe impaired growth and malnutrition. Symptoms of dysphagia, gastroesophageal reflux, and constipation are associated with different food intake patterns. Therefore, nutritional intervention should be tailored considering the gastrointestinal symptoms and nutritional status.