Resumo A regionalização é uma estratégia de organização e integração de serviços em sistemas nacionais de saúde, colocando-se como um caminho a ser trilhado para a integralidade e universalidade. No entanto, constitui-se como princípio ainda invisível na sociedade brasileira, problematizando seus modos de gestão nas regiões de saúde, assim como seus efeitos reais na construção do devir da saúde em direito. Este artigo dedica-se a essa problematização e inscreve-se como uma produção a desnaturalizar processos e a possibilitar o aparecimento de acontecimentos postos em invisibilidade e dizibilidade pela “formação discursiva” da regionalização da saúde. Toma como habitação a regionalização da saúde do Ceará em curso desde meados de 1990. A partir de uma abordagem qualitativa, adota em conexão e análise os discursos em entrevistas com 23 gestores estaduais de saúde e narrativas documentais afins ao tema. Busca a constituição do “feixe de relações”, articulando sujeitos e instituições em produção de “saber-poder e verdade-poder”, segundo referência foucaultiana, e em diálogo com autores da saúde coletiva. A regionalização do Ceará aponta para uma reforma do setor saúde, delegando a gestão e prestação de serviços à Organização Social e aos consórcios, em contratualização procedimental e produtiva, fortalecendo o “empresariamento” da saúde e afetando a produção da integralidade e universalidade. Conclui-se que o estrato constitucional do Sistema Único de Saúde (SUS) encontra-se em processo de rompimento, forjando um outro “regime de integralidade e de universalidade”, que se pode visualizar no fato do SUS estar em trânsito de institucionalidades e na transformação da saúde de direito, em um deslocamento reducionista, para o campo do direito do consumidor.
Abstract Regionalization is a strategy of organization and integration of services in national health systems, in a path to be followed toward comprehensiveness and universal access. However, its principles are still invisible in Brazilian society, and the forms of management in health regions are questioned, as well as its actual effects on the construction of health as a right. This article is dedicated to such questioning and falls as a production aiming to denature processes and enable the emergence of events put into invisibility because of the “discursive formations” of health regionalization. This study comprises the regionalization process of Ceará’s health system since the 1990s. This is a qualitative study that examines the reports of 23 state managers of health, as well as the documentary narratives related to this issue. This study aims to build “bundles of relations”, articulating the subjects and institutions in the production of “knowledge-power and truth-power”, according to Foucault’s reference, and in dialogue with public health authors. The regionalization of Ceará points to a reform of the health sector, delegating the management and provision of services to the Social Organization and to the consortium, on procedural and productive contracting, strengthening the “entrepreneurship” of health and thus affecting the production of comprehensiveness and universality. We conclude that the Unified Health System’s constitutional stratum is undergoing a breaking process, forging another “regime of comprehensiveness and universality”, that can be observed in the fact that the Unified Health System is between institutionalities, and in the change from the right to health care to customer right in a reductionist shift.