Este artigo revisita os escritos de Carolina Maria de Jesus, em particular o livro Quarto de despejo, com a intenção de pensar sua escrita (e seu próprio ato de escrever) como forma de elaboração de sua condição social de existência. Sua escrita, enquanto automodelagem de sua "pessoa" é construída através de processos de percepção de seu sofrimento social e de instauração de uma aguda consciência de sua corporalidade. Explorando o conceito de sofrimento social, enquanto processo de experiência e cognição, analisa-se o lugar de sua escrita, dolorosamente crítica, na forma como apreende o mundo, como se revela a si mesma e exprime sua revolta ao tomar consciência de sua condição social. Delineia, também, a "corporificação de seu sofrimento social" a partir do conceito "cosmografia da fome", que ganha na escrita de Carolina uma complexa elaboração de cartografias que fazem coincidir corpo e espaço, territórios urbanos de deambulação e órgãos corporais. Seu sofrimento social se estrutura através da escrita como possibilidade de agência, de revolta e revide que promove os processos de transformação de sua condição social de existência.
This article revisits the writings of Carolina Maria de Jesus, in particular her book, Quarto de despejo [Child of the dark in the English edition]. It aims to reflect upon her writing (and her very act of writing) as a mode of elaborating her social condition of existence. The self-fashioning of her 'person' in her writing involves the processual perception of her social suffering and the establishment of a heightened conscience of her corporeality. Exploring the concept of social suffering, as an experiential and cognitive process, the article analyses the role of her painfully critical writing in grasping the world around her, in revealing her own self and in expressing her revolt as she becomes conscious of her social condition. It outlines, as well, the "embodiment of her social suffering" through the concept of a 'cosmography of hunger', which, in Carolina's writing, takes on a complex elaboration of cartographies joining together body and space, urban territories of deambulation and bodily organs. Her social suffering is fleshed out through writing into the possibility of agency, revolt and response, which promotes the transformation of her social condition of existence.