Resumo Este artigo propõe uma releitura do problema de gênero ou, como tem sido colocado, na maior parte das vezes, ‘o problema da mulher,’ a partir dos sistemas de poder moderno/colonial e suas normas, padrões, ideais e pactos políticos. Nesse sentido, busca-se abrir um diálogo com concepções de gênero que respondam às dinâmicas que forjaram as sociedades modernas/coloniais em Abya Yala, inspirando-se nas perspectivas decolonial e afrodiaspórica. Para este fim, o artigo mapeia alguns dos canais disponíveis do debate de gênero no que veio a ser conhecido como o Sul global e que destacam as maneiras pelas quais as relações entre categorias de opressão e privilégio (como raça, classe, sexualidade e gênero) são refletidas e posicionadas de modo a lidar com a colonialidade do saber, do poder e do ser. O objetivo principal é investigar as condições político-epistêmicas que estruturam o pensamento de gênero de forma binária e interseccional e, por sua vez, abrir espaço para abordagens imbricadas e forjadas a partir de histórias que tomam como ponto de partida referências teóricas de lugares situados como “outros” dentro de uma economia política global de saber/poder/ser. Mais do que uma crítica dos pontos de vista teóricos do Norte global, em si e de si mesmos, aqui são analisados os termos através dos quais gênero e feminismos foram colocados em debate para responder às nossas realidades. Propõe-se recentrar as referências que pautam as discussões de gênero no contexto de Abya Yala para que não se perca a dimensão do que está em jogo quando se reivindica gênero como categoria política, normativa e analítica: as (im)possibilidades de viver a humanidade plena nos próprios termos.
Abstract This article proposes a re-reading of the problem of gender, or as it has been put, more often than not, ‘the woman problem,’ that resists the reproduction of modern/colonial systems of governance and their political norms, standards, ideals and pacts. In turn, it seeks to open pathways to dialogue with, rather than import, conceptions of gender that respond to the terms through which modern/colonial societies have been forged on the continent of Abya Yala, drawing inspiration from decolonial and diasporic perspectives. To this end, the article maps some of the available channels of the gender debate in what has come to be known as the global South from an array of perspectives that highlight the ways in which the relations between categories of oppression and privilege (such as race, class, sexuality and gender) are reflected and positioned so as to grapple with the coloniality of knowledge, power and being. More specifically, it focuses on three ways of dealing with power dynamics in the context of Abya Yala that have influenced how we conceive and respond to questions of gender. Its primary objective is to investigate the politico-epistemic conditions that structure gender thinking in binary and intersectional ways, and, in turn, open space for imbricated approaches forged from within (post-)colonial histories that do not take as their starting point the importation of theoretical references from places otherwise situated within a global political economy of knowledge/power/being. More than a critique of theoretical standpoints from the global North, in and of themselves, which regardless were not thought to respond to our realities, here we analyse the terms through which gender and feminisms have been put up for debate. Without effectively decentring the Eurocentred references that preoccupy gender thinking in our respective disputes, we risk continued distraction from what is at stake when gender is put on the table: the (im)possibilities of living one’s full humanity on one’s own terms.