Configurando uma experiência física que desafia tabus físicos e sociais, a marcação do corpo através da tatuagem e body piercing tem sido bastante explorada no espaço público mediatizado em função das questões da dor voluntária e dos riscos de saúde individual e pública implicados. Ao pânico moral que já envolvia estas práticas, associadas a comportamentos tidos como socialmente desviantes, psico-patológicos ou criminosos, junta-se-lhes outra espécie de pânico social, o «pânico higienista», associado ao receio de contrair doenças infecto-contagiosas, ou de reagir aos materiais ou tintas encarnados. No sentido de ir além destes discursos, este artigo pretende analisar: por um lado, como os consumidores actuais de tatuagem e body piercing lidam com a dor que lhe está associada, que emoções enquadram essa sensação e que estratégias convocam no seu controlo; por outro lado, como é que os produtores de tatuagem e body piercing, perante novas e mais alargadas clientelas, lidam com exigência de disciplinas sanitárias na sua prática profissional. Em termos metodológicos, a informação empírica apresentada no artigo foi obtida em situação de entrevista em profundidade, de natureza biográfica, semi-estruturada na sua preparação e semi-diretiva na sua aplicação, a portadores de corpos multitatuados e multiperfurados, profissionais ou apenas consumidores de tatuagem e body piercing. Quinze entrevistados com diferentes perfis sociais foram recrutados em estúdios de tatuagem e body piercing de Lisboa e arredores, depois de intenso trabalho etnográfico nesses mesmos espaços.
Being a physical experience that challenges sensitive and social taboos, body marking with tattoos and body piercing has been fairly explored in the public sphere regarding the issues of voluntary pain and the risks of individual and public health that are involved. Associated with the moral panic that is already linked to these practices, which are related to behaviours perceived as socially deviant, psychopathological or criminal, comes another type of social panic, the «hygienist panic», connected with a fear of contracting infectious and contagious diseases, or of having a bad reaction to the incorporated materials and inks. Attempting to go beyond these discourses, this article aims to analyse: on one hand, how current consumers of tattoos and body piercing deal with the pain associated with these practices, what emotions frame that sensation and what strategies are used in its control; on the other hand, how the producers of tattoos and body piercing, considering their new and extended clientele, deal with the demands for sanitary disciplines regarding their professional practice. As for methodological procedures, the empiric information presented in the article was collected through in-depth biographical interviews conducted with people who had extensively marked bodies, multi-tattooed and multi-pierced, professionals or only consumers of tattoos and body piercing. Fifteen interviewees with different social profiles were recruited in tattoo and body piercing studios located in Lisbon and on its outskirts, after an intensive ethnographic fieldwork in those spaces.