Resumo A nova normativa do saneamento básico no Brasil, Lei nº 14.026/2020, abriu caminho para um modelo mais agressivo de inserção do capital privado no chamado “negócio do saneamento”, ao alterar a forma de organização do serviço nos estados, pela imposição da regionalização em blocos de municípios, e ao modificar as regras contratuais de concessão praticadas até então com as companhias estatais de água e esgoto. Neste artigo, os autores analisam as alterações legais pelo viés da consideração preliminar de que, nesse setor, arranjos de poder multiescalares e multiníveis, visíveis ou não, suplantam os interesses locais e distorcem a realidade por meio de narrativas falaciosas. O problema de pesquisa é investigar se, de acordo com o novo marco, água e saneamento são considerados direitos humanos fundamentais ou simples serviços regulados, questionando a regionalização adotada como instrumento de promoção de desenvolvimento regional ou como mero pretexto para a privatização do setor. A opção metodológica abrange análises de tipo conjuntural, histórica, crítica e comparativa da realidade nacional, para verificar, ao fim e ao cabo, que a Lei promove grave mudança na correlação de forças econômicas públicas e privadas no setor de saneamento, no âmbito dos estados federados, com impacto conceitual no papel do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), responsável pela modelagem do processo, que, sem problematização das consequências, como risco de aumento da tarifa, falta de acesso aos serviços pelas camadas mais vulneráveis da população e privatização ilegal de um monopólio natural em sua essência, se transforma de banco de fomento em leiloeiro facilitador da venda.
Abstract The latest Brazilian Basic Sanitation Act, Federal Low No. 14.026/2020, paved the way for a more aggressive model of inserting private capital into the so-called “sanitation market” by altering the way in which the service is organized within the federal states; by imposing the regionalization according to blocks of municipalities; and by modifying the contractual concession rules practiced until then with State-level water and sewage companies. In this essay, the authors analyze those legal modifications departing from the premise that, in this sector, multi-scale and multi-level power arrangements, visible or not, supplant local interests and distort reality through fallacious narratives. The research problem is to investigate whether, according to the new framework, water and sanitation are considered basic human rights or simply regulated services, questioning whether the model of regionalization serves as an instrument to promote regional development or as a pretext for the sector’s privatization. The methodological option covers conjunctural, historical, critical and comparative analysis of the national reality, in order to confirm that the recent Act promotes a grave change in the correlation of public and private economic forces in the sanitation sector, within the scope of the federated states and the role of the Brazilian National Development Bank (BNDES), responsible for modeling those deals, which risks mutating itself from a development bank into an auctioneer that facilitates sales, so long as it does not question potential consequences of these deals, such as the risk of tariff increases, restriction of access to services by the most vulnerable strata of the population and illegal privatization of a natural monopoly in its essence.