RESUMO O artigo discute a formação de leitores surdos, enfocando as práticas sociais de letramento literário em que a Libras ocupa uma centralidade. Buscamos, por meio de entrevistas com dois professores surdos, de gerações diferentes, reconstruir suas trajetórias, tendo em vista, por um lado, os percursos sócio-históricos nos quais eles se engajaram, durante sua formação leitora e, por outro lado, o entendimento de constituição leitora como um fenômeno social, cultural e identitário. Estabelecemos uma articulação entre a literatura surda e a formação social e escolar de surdos, refletindo sobre os processos que lhes possibilitaram a construção de um repertório leitor e sobre as interfaces desse contexto com as políticas que reafirmaram o bilinguismo dos surdos e o direito ao uso da Libras. As experiências de socialização e de escolarização com a literatura e a língua portuguesa remetem às trajetórias da comunidade surda e, muitas vezes, revelam-se acidentadas, especialmente pela presença de processos clínico-terapêuticos de inserção na comunidade ouvinte. Contudo, as experiências relatadas também indicaram um favorecimento ao engajamento em práticas sociais de letramento literário, quer na condição de leitores que avaliam de forma contextualizada certas produções, quer na condição de autores que vivenciam performances literárias que são potencializadas pelas redes sociais que fazem circular produções representativas da comunidade surda, o que inclui o uso sistemático da Libras.
ABSTRACT The article discusses the development of readers in deaf communities, focusing on social practices of literary literacy in which Libras occupies a central role. We sought, through interviews with two deaf teachers of different generations, to reconstruct their trajectories, taking into account, on the one hand, the socio-historical paths in which they engaged during their reading education and, on the other hand, the understanding of reading constitution as a social, cultural and identity phenomenon. We establish an articulation between deaf literature and the social and school education of the deaf, reflecting on the processes that enabled them to build a reading repertoire and on the interfaces of this context with the policies that reaffirmed the bilingualism of the deaf and the right to use Libras. The experiences of socialization and schooling with literature and the Portuguese language tell about the trajectories of the deaf community and often prove to be bumpy, especially by the presence of clinical-therapeutic processes of insertion in the hearing community. However, the reported experiences also indicated a favorable engagement in social practices of literary literacy, either as readers who evaluate in a contextualized way certain productions or as authors who experience literary performances that are enhanced by social networks that circulate representative productions of the deaf community, which includes the systematic use of Libras.