Resumo A música utilizada em denominações religiosas neopentecostais está passando por diversas transformações na atualidade, deixando ver fissuras e heterogeneidades no que comumente se pensa ser um conjunto doutrinário relativamente coeso em torno de certos pressupostos tidos como indiscutíveis. Sustentamos aqui que a euforia em torno de um gênero musical surgido recentemente em certas igrejas neopentecostais, conhecido como "corinho de fogo" - aqui estudado em uma das primeiras abordagens na literatura acadêmica, senão a primeira -, representa uma tendência de grande propagação entre os fiéis dessas igrejas, e que envolve inclusive questionamentos à exclusão racial e desigualdade de classe. Como evidência, apresentamos o caso da igreja dirigida pela pastora Ana Lúcia. Localizada na cidade de Belford Roxo (Baixada Fluminense, RJ), em região de extrema pobreza, a igreja atrai principalmente fiéis de famílias de baixa renda, predominantemente de raça negra. Nos cultos da pastora, uma exuberante corporalidade negra se alia a uma música fortemente percussiva que é, juntamente com a dança, bastante evocativa dos rituais religiosos afro-brasileiros. Justamente por isso, a igreja, a pastora e seus fiéis e colaboradores sofrem críticas violentas, sem se deixar intimidar por isso, de fiéis e pastores de outras vertentes protestantes. Os resultados desta pesquisa evidenciam um caso específico de uma nova tendência entre as denominações neopentecostais, que vem acirrando de maneira verificável a heterogeneidade existente entre estas denominações, possibilitando que seus fiéis questionem fundamentos doutrinários em favor de lutas sociais e culturais que consideram urgentes. A agência coletiva de fiéis, músicos e pastores constituiu a igreja da pastora Ana Lúcia em um território social produzido ativa e afirmativamente como resposta e desafio à exclusão e preconceito, no qual a música é parte fundamental. A partir deste espaço musical e religioso, esse coletivo luta simbolicamente pelos direitos de inclusão e cidadania, e pelo respeito por suas crenças e práticas.
Abstract The music used in neo-Pentecostal denominations is undergoing several transformations today, revealing cracks and heterogeneities that contradict what is commonly thought to be a relatively cohesive doctrinal set around certain assumptions regarded as indisputable. We argue here that the euphoria around a musical genre that emerged recently in certain neo-Pentecostal churches, known as "corinho de fogo" - here studied in one of the first approaches in the academic literature, if not the first - represents a trend of large spread between the faithful of these churches, and includes issues of racial exclusion and class inequality. As evidence, we present the case of the church led by Pastor Ana Lucia. Located in the city of Belford Roxo (in the Baixada Fluminense, a metropolitan area of Rio de Janeiro), in a region of extreme poverty, the church attracts mostly low-income, predominantly black families. In the services of the pastor, an exuberant black corporeality is placed together with a heavily percussive music that is, along with the dance, very evocative of African-Brazilian religious rituals. Because of such practices, the pastor, the church members and collaborators, however unwavering, endure violent criticism from members and pastors of other churches. Thus, our results show a specific case of a new trend among the neo-Pentecostal denominations, which is intensifying the heterogeneity within these denominations, allowing the faithful to question doctrinal foundations in favor of social and cultural struggles they consider urgent. The collective agency of the church members, musicians and pastors constituted the temple of pastor Ana Lucia's into a social territory produced actively and positively in response and challenge to the exclusion and prejudice, of which music is a fundamental part. From this musical and religious space, this collective symbolically fights for the rights of inclusion and citizenship, and for respect for their beliefs and practices.