RESUMO Este estudo aborda os aspectos clínicos e epidemiológicos dos envenenamentos ofídicos tratados em um hospital em Cruzeiro do Sul, Acre, resultantes de acidentes que ocorreram na região do Alto Juruá, no oeste da Amazônia brasileira. A identidade específica das serpentes que causaram os envenenamentos foi inferida (a) pelos sinais e sintomas apresentados pelo paciente na admissão hospitalar, (b) por imunoensaio enzimático para detecção de veneno de Bothrops atrox e Lachesis muta em amostras de soro retiradas de pacientes antes da soroterapia, e (c) pela identificação direta da serpente, quando esta foi levada para o hospital ou fotografada. Houve 133 casos (76,2 casos por 100.000 habitantes) de acidentes ofídicos registrados durante um ano (julho 2017 a junho 2018). A maioria das picadas de serpentes (88,7%) foi causada por Bothrops spp., e o restante por espécies não peçonhentas ou “picadas secas”. Os acidentes ofídicos tenderam a ocorrer com maior frequência durante a estação chuvosa, coincidindo com o período de maior atividade reprodutiva das serpentes e maior disponibilidade de suas presas. Além disso, o aumento dos níveis de rios e lagos pode fazer com que esses animais procurem locais mais secos, aumentando a frequência de encontro com seres humanos. Campanhas educativas sobre prevenção e primeiros socorros, principalmente entre os grupos mais vulneráveis (indígenas, agricultores, crianças e adolescentes em áreas rurais), e sobre a importância da utilização de equipamentos de proteção (botas, perneiras, luvas de couro) em determinadas atividades de maior risco (e.g., agricultura e extrativismo em florestas), são fundamentais para reduzir a morbidade de picadas de serpentes.
ABSTRACT This study addresses the clinical and epidemiological aspects of envenoming cases resulting from snakebites treated at a hospital in Cruzeiro do Sul, in the upper Juruá River region, western Brazilian Amazonia. The specific identity of snakes that caused the envenomings was inferred (a) from the diagnosis of patient symptoms and signs upon hospital admission, (b) by enzyme immunoassay for detection of Bothrops atrox and Lachesis muta venom from serum samples taken from patients before antivenom therapy, or (c) by direct identification of the snake, when it was brought along to the hospital or photographed. There were 133 snakebites (76.2 cases per 100,000 inhabitants) registered during one year (July 2017 to June 2018). Most snakebites (88.7%) were caused by Bothrops spp., and the rest by non-venomous snakes or dry bites. Snakebites tended to occur more often during the rainy season, coinciding with the period of greater reproductive activity of the snakes and greater availability of their prey. In addition, the increase in the water level of rivers and lakes during the rainy season tends to concentrate snakes in dry places and, thus, to increase encounters with humans. Information campaigns on prevention and first aid, specially among the most vulnerable groups (indigenous people, farmers, and children and teenagers in rural areas), and the importance of using protective equipment (boots, leggings, leather gloves) in certain high risk activities (e.g. agriculture and extractivism in forests) are fundamental for the reduction of snakebite morbidity.