Resumo Este artigo se propõe a retomar em detalhes a denúncia de um crime envolvendo estupro e assassinato na comunidade de Aracaçá, situada na Terra Indígena Yanomami. Buscamos reavaliar criticamente a declaração, feita pela Polícia Federal, de que a denúncia resultou apenas de um “mal-entendido” por parte dos indígenas. Indicamos, através da análise do contexto violento gerado pela invasão garimpeira e de algumas práticas e categorias yanomami, que os mal-entendidos não podem ser atribuídos apenas aos indígenas, mas ocorrem no mesmo processo investigativo. Nosso objetivo, portanto, é o de estimular uma reflexão que contribua para promover um diálogo mais eficaz, através de análise contextual e do controle de equivocações, tanto entre investigadores criminais e indígenas, em um âmbito específico, quanto entre o poder público e estes mesmos povos, em um âmbito mais amplo. Concluímos que, quando negligenciam uma gama de informações etnográficas e conjunturais e carecem de abertura institucional à diferença, investigações criminais em meios indígenas podem refletir mais as premissas dos investigadores que a ambicionada materialidade dos fatos de um crime. Ao final, elaboramos algumas recomendações com o intuito de ajudar a prevenir futuros mal-entendidos e, assim, garantir procedimentos investigativos mais adequados aos princípios democráticos da proteção da diversidade e do acesso à justiça, ambos inscritos na Constituição Federal. Aracaçá Yanomami declaração Federal malentendido mal entendido “mal-entendido Indicamos yanomami malentendidos entendidos investigativo objetivo portanto eficaz equivocações específico povos amplo diferença final assim justiça
Abstract This article aims to revisit in detail the report of a crime involving rape and murder in the Aracaçá community, located in the Yanomami Indigenous Land. We seek to critically reassess the statement made by the Federal Police that the report resulted merely from a “misunderstanding” on the part of the indigenous people. Through an analysis of the violent context generated by the invasion of wildcat miners and certain Yanomami practices and categories, we suggest that the misunderstandings cannot be solely attributed to the indigenous but also occur within the investigative process itself. Our goal, therefore, is to stimulate a reflection that contributes to promoting a more effective dialogue, through contextual analysis and by controlling equivocations, both between criminal investigators and indigenous peoples on a specific level, and between public authorities and these same peoples on a broader level. We conclude that when a range of ethnographic and conjunctural information is neglected and there is a lack of institutional openness to differences, criminal investigations in indigenous settings may reflect more the assumptions of the investigators than the desired materiality of the facts of a crime. In the end, we provide some recommendations aimed at helping to prevent future misunderstandings and thus ensure investigative procedures that are more aligned with the democratic principles of protecting diversity and access to justice, both of which are enshrined in the Federal Constitution. community Land misunderstanding “misunderstanding people categories itself goal therefore dialogue equivocations level differences end justice Constitution