Resumo O presente artigo analisa o trabalho de três artistas contemporâneas, independentes e ativas no panorama da banda desenhada portuguesa: Hetamoé, Joana Mosi e Ana Margarida Matos. Faz uma leitura formal detalhada do seu trabalho, seguindo o artigo fundamental de Peter Wollen sobre contra-cinema. Apesar das ressalvas quanto à adoção de noções absolutas e inequívocas de diferentes media, há suficientes pontos em comum e características narratológicas que proporcionam comparações estimulantes. Tal como no cinema, também na banda desenhada existe um entendimento normativo amplamente aceite do modo de criação de sentido da banda desenhada, contra o qual estas três autoras apresentam aquilo a que se pode chamar, a exemplo de Wollen, estratégias formais de resistência. A banda desenhada portuguesa tem uma história conturbada, que envolve um desenvolvimento económico difícil e a falta de um reconhecimento social mais amplo (como um campo culturalmente relevante). No entanto, os seus domínios e subculturas mais independentes têm dado provas de criadores individuais empenhados, informados e inventivos. As mulheres criadoras não são exceção à regra, e este grupo em particular demonstra três potencialidades para expandir o campo, tanto política como esteticamente. Além disso, estas mesmas estratégias de des/re/construção abordam questões associadas à identidade, ao autorretrato, a questões corporais, à memória e aos próprios processos de criação de significado em que assenta o seu trabalho. As dimensões feministas do seu trabalho, ainda que bastante variadas, permitem detetar interpretações intensas do eu e do papel da mulher num processo mais amplo de autorrealização e vida social. Assim, utilizarei as noções de “cuteness” (fofura) e “animatedness” (animação) de Sianne Ngai para compreender como as três autoras interpretam e constroem o seu eu na banda desenhada.
Abstract The present paper analyses the work of three contemporary, independent women artists active in the Portuguese comics scene: Hetamoé, Joana Mosi, and Ana Margarida Matos. It provides a close formal reading of their work by following Peter Wollen's seminal article on counter-cinema. Despite the caveats of adopting whole cloth and in a clearcut manner notions from different media, there are enough commonalities and narratological features that provide stimulating comparisons. As in cinema, comics also have a broadly accepted normative understanding of comics' way of creating meaning, against which these three authors present what one can call, after Wollen, resisting formal strategies. Portuguese comics have had a troubled history, which entails a difficult economic development and the lack of wider social recognition (as a culturally relevant field). However, its most independent realms and sub-cultures have provided ample proof of engaged, informed, and inventive individual creators. Women creators are no exception to this, and this particular group shows three potentialities of opening up the field, both politically and aesthetically. Moreover, these same de/re/constructive strategies broach issues associated with identity, self-portrait, bodily matters, memory, and the very meaning-making processes at the core of their work. The feminist dimensions of their work, albeit quite varied, allow one to detect intense interpretations of the self and the role of womanhood in a broader process of self-actualization and social life. Thus, I will use Sianne Ngai's notions of "cuteness" and "animatedness" to understand the three author's specific manners of doing so, as depicted and constructed within the medium of comics.