RESUMO OBJETIVO Desvelar a assistência prestada aos indivíduos negros internados no período de 1898 a 1930 no Hospício do Juquery, considerados o contexto social e a hegemonia do saber médico da época. MÉTODOS Estudo exploratório-descritivo, qualitativo, análise documental, em prontuários de indivíduos negros(as) internados(as) desde a abertura do Hospício do Juquery em 1898 até 1930. Recorte temporal abarcou direções institucionais específicas e contexto histórico, político, econômico e social vivenciado pela população negra. Realizado no Arquivo do Patrimônio Histórico-cultural do Complexo Hospitalar do Juquery, entre julho e dezembro de 2019. Utilizado instrumento com questões referentes a dados sociodemográficos, data e anamnese de entrada, exame físico e psíquico, hipótese diagnóstica, tratamentos realizados, intercorrências, desfecho e motivo. Análise realizada segundo etapas da análise documental e pautada nos referenciais teóricos psiquiátricos do período. RESULTADOS Foram vistos todos os prontuários do período, cerca de 6.300, dos quais aproximadamente 1.400 eram de negros(as). Desses prontuários, foram incluídos 457, 140 de mulheres e 317 de homens, considerados com informações significativas para objetivos do estudo. Maioria dos participantes teve internações de longa permanência, cuja finalidade não pareceu estar atrelada à possibilidade de cura ou reinserção social, mas à segregação. A partir dos diagnósticos descritos, a impressão é que esses sujeitos compunham nicho com condições imutáveis, permanentes, não passíveis de terapêuticas que possibilitassem retorno à sociedade, exemplificada pela degeneração. Quantidade significativa dos prontuários não traz dados sobre tratamentos, o que reforça a hipótese de que eram mantidos internados não para proposta de cuidado, mas como um depósito da incurabilidade; quando trazem dados observamos empirismo voluntarioso do médico. Metade dos prontuários descreve os desfechos das pessoas internadas e apontam registros muito altos de mortes, seguidos de encaminhamentos para outras instituições de internação a prolongar a vida de confinamento. CONCLUSÕES Internados sofreram com isolamento e assistência focados na política de Estado aliada à ciência, sobretudo psiquiátrica, para legitimar exclusão dos socialmente indesejáveis.
ABSTRACT OBJECTIVE To reveal the assistance provided to black individuals hospitalized at the Juquery Asylum from 1898 to 1930, having considered the social context and the hegemony of medical knowledge of the time. METHODS Exploratory-descriptive, qualitative study, documentary analysis, in medical records of black individuals hospitalized at the Juquery Asylum from 1898 to 1930. The time frame encompassed specific institutional directions as well as the historical, political, economic, and social context experienced by the black population. Held at the archive of the historical and cultural heritage of the Juquery Hospital Complex, between July and December 2019. We used an instrument with questions related to sociodemographic data, date and anamnesis of entry, physical and psychological examination, diagnostic hypothesis, treatments performed, complications, outcome, and motive. The analysis was carried out according to stages of documentary analysis and was based on psychiatric theoretical references of the period. RESULT All medical records of the period were read (approximately 6,300), of which about 1,400 were of black individuals. Of these medical records, 457 were included, 140 of women and 317 of men, which were considered to have significant information for the study’s objectives. Most of the participants had long-term hospitalizations, whose motive did not seem to be linked to the possibility of cure or social reintegration, but rather to segregation. From the diagnoses described, the impression is that these subjects composed a niche with immutable, permanent conditions, not amenable to therapeutics that would allow their return to society, exemplified by degeneration. A significant amount of the medical records do not contain data on treatments, which reinforces the hypothesis that they were kept hospitalized not for the purpose of care, but as a deposit of incurability; when they do bring data, we observe willful empiricism of the physician. Half of the medical records describe the outcomes of hospitalized people and indicate very high records of deaths, followed by referrals to other hospitalization institutions to prolong confinement. CONCLUSIONS Internees suffered from isolation and assistance focused on state policy allied to science, especially psychiatry, to legitimize exclusion of the socially undesirable.