A ocupação e a dispersão territorial dos primeiros colonizadores da América do Sul, sobretudo do Brasil, são ainda pouco conhecidas e exigem esforço interdisciplinar contínuo, envolvendo a antropologia, arqueologia e pedologia. Sob abrigos naturais de rochas calcárias, populações pré-colombianas viveram por milhares de anos, aportando e removendo matérias de naturezas e procedências distintas, desenvolvendo solos antropogênicos muito peculiares, sobre os quais ainda não se têm estudos pedológicos. Para melhor conhecer os solos, procedeu-se à caracterização física, química e mineralógica de solos de dois abrigos calcários, Lapas do Boquete e do Malhador, situados no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, norte de Minas Gerais, tido como uma das mais importantes regiões arqueológicas do país. As amostras foram submetidas à caracterização física, química e mineralógica, ao ataque total, à determinação do carbono orgânico total, além de fracionamento das formas inorgânicas de fósforo. As características químicas dos solos estudados estão condizentes com a natureza calcária da rocha local, apresentando valores de pH elevados (> 7,7). O complexo de troca catiônica é praticamente todo preenchido pelas bases trocáveis, principalmente Ca e Mg, alcançando valores de V de 100 %. Os teores de P-extraível (Mehlich-1) encontrados foram elevados, de 131 a 749 mg dm-3. Nos solos analisados, predominou a fração areia, sendo todas as camadas enquadradas na classe textural franco. É marcante a presença de óxidos com atração magnética em todas as frações, especialmente na fração areia, associada principalmente a camadas carbonizadas. Os solos apresentaram predomínio, em sua matriz, de minerais silicatados do tipo 1:1 (caulinita), associados a minerais do tipo 2:1, basicamente illita. De acordo com os resultados encontrados, os solos estudados apresentaram gênese policíclica, marcada por pronunciada alternância climática associada a distintos períodos de ocupação antrópica, que resultaram na formação de camadas aparentemente sem relação pedogenética entre si.
The occupation and territorial dispersion of the first settlers in South America, especially in Brazil, are still little known and require continuous interdisciplinary studies involving anthropology, archeology, and soil science. Under natural limestone shelters, pre-Columbian populations lived for thousands of years, introducing and removing materials of different nature and from different origins, resulting in the development of very peculiar anthropogenic soils, which have been little investigated so far. To deepen the knowledge on this type of soil, we evaluated the physical, chemical and mineralogical properties of the soil of two limestone shelters, Lapa do Boquete and do Malhador, located in the National Park Cavernas do Peruaçu, in northern Minas Gerais, which is considered one of the most important archaeological regions of the country. The samples were subjected to the physical, chemical and mineralogical analyses, total attack, total organic carbon, and fractionation of inorganic P forms. The chemical properties of these soils are consistent with the calcareous nature of the local rock, with high pH values (> 7.7). The cation exchange complex consists almost entirely of exchangeable bases, especially Ca and Mg, reaching V valuesof 100 %. High P contents (131-749 mg dm-3) were also extracted (Mehlich-1). The predominant soil fraction was sand, with a loamy texture in all layers. The presence of oxides with magnetic attraction in all fractions is noteworthy, especially in the sand fraction, mainly associated with the carbonized layers. The soil matrix is made predominantly by 1:1 silicate minerals (kaolinite) associated with 2:1 minerals, mainly illite. According to the results, soil genesis is polycyclic, marked by pronounced climate changes, and associated with distinct periods of human occupation, resulting in the formation of pedogenetic layers that seem unrelated with each other.