Resumo: Neste artigo, retoma-se o significado do verbo “governar” como sendo a disposição correta dos homens mediante sua relação com as coisas. Essa definição foi proposta por Michel Foucault, em Segurança, território, população, a partir de sua leitura do pensador renascentista Guillaume La Perrière. Desdobra-se essa designação deixada por Foucault, para analisar a maneira de governar da biopolítica neoliberal contemporânea dos chamados migrantes de sobrevivência, conforme a denominação de Alexander Betts. Na governamentalidade biopolítica neoliberal, a regulação da circulação dos migrantes de sobrevivência é realizada pela sua dependência da circulação das coisas, no caso, o livre fluxo transnacional do capital econômico. Cogita-se que o critério normativo para diferenciar entre a boa e a má circulação dos migrantes, na época contemporânea, não ocorre no terreno da política, mas na esfera neoliberal da biopolítica, especialmente pelos seus desdobramentos no conceito de capital humano. Dele se depreende que não somente o trabalho produtivo, mas também a vida completa dos indivíduos é avaliada em termos de investimentos e riscos pela aquisição de competências, desenvolvimento de performances e mobilidade contínua. Em Nascimento da biopolítica, de 1979, Foucault considera que a migração é um dos investimentos mais arriscados na aquisição de capital humano, porém, ele a situa de maneira homogênea, como se qualquer migrante pudesse se subjetivar como um empresário e investidor de si mesmo. Sustenta-se que a objetivação negativa dos migrantes de sobrevivência, como improdutivos e indesejáveis, tem como possível causa sua identificação indiferenciada a qualquer outro migrante econômico que busca qualificar seu capital humano. Ao se apresentar esse argumento, evidencia-se o mecanismo de economização da vida que permeia a subjetivação neoliberal e os reducionismos dele resultantes, tal como a redução da vida ao conceito de homo oeconomicus e sua designação como capital humano. Propõe-se que uma maneira de evitar esses reducionismos consiste na tentativa de conversão do olhar em relação ao migrante de sobrevivência, a começar pelo desnudamento da racionalidade que alimenta a produção biopolítica de sua existência.
Abstract: In this article I follow the meaning of the verb “to govern” as the right disposition of men in their relation with things. This definition is proposed by Michel Foucault in Security, territory, population through his reading of the renaissance thinker Guillaume de La Perrière. I unfold and spread this meaning by analyzing the way of government that characterizes contemporary neoliberal biopolitics in its relation with the so called migrants of survival according to the definition of Alexander Betts. On the neoliberal biopolitical governmentality, the regulation of survival migrants is structured by its dependence on the circulation of things; in this case, the transnational flow of economic capital. I consider that the normative criterion that distinguishes good and bad circulation of migrants nowadays isn’t based on classical political ground. It’s made by the neoliberal axis of biopolitics, especially by the unfoldings of human capital concept. From this concept comes the idea that not only the productive work, but also the entire life of individuals is evaluated in terms of investments and risk to the acquisition of competences, on the development of performance and permanent mobility. On The Birth of Biopolitics, in 1979, Foucault considers that migration is one of the riskiest ways to earn human capital. Nevertheless he considers migration in an homogenous way, as if any migrant could subjective himself as a self-entrepreneur. I consider that the negative objectivation of survival migrants as unproductive and undesirables has as its possible cause their undifferentiated identification with any economical immigrant that searches to qualify his human capital. In presenting this argument, I point the mechanisms of economization of life which crosses neoliberal subjectivation and the reductionisms that results from it, as the reduction of life to homo economicus and its designation as human capital. I propose that a manner to avoid those reductionisms consists in the conversion of the look pointed to the survival migrants, starting by showing the rationality which feeds the biopolitical production of their existences.