A divisão entre as funções de legislar, de executar e de se manifestar, julgando os conflitos, bem como entre as atividades necessárias à gestão do Estado em um ambiente de res publica, difundida como divisão de poderes, com atribuições precípuas, porém não exclusivas a cada um, é lição antiga deixada por Montesquieu para evitar a tirania do soberano estatal. No caso brasileiro, apesar de a Constituição Federal de 1988 ser considerada a Constituição Cidadã, ela apresenta vícios de origem, sendo o de maior repercussão o fato de ter adotado o sistema presidencialista de governo, mas atribuindo ao Congresso competências próprias aos sistemas parlamentaristas. Tal desenho, por si eivado de contradições, aliado à tradição e ao peso do direito civil vis-à-vis ao dos usos e costumes, e em que pese ser um Estado federado, faz com que haja um excesso de competências a cargo da União. Diante desses vícios e contradições, este artigo mostra, a partir de pesquisa bibliográfica e dados secundários, como a interdependência entre os três poderes acabou se tornando um processo descontrolado de usurpação das atribuições e competências uns dos outros. Assim, é feito um pano de fundo estabelecendo os principais aspectos das postulações de Montesquieu e como tais aspectos estão presentes no sistema de governo do modelo tripartite, o presidencialismo, com destaque para as peculiaridades do contexto brasileiro, enfatizando importantes questões institucionais do sistema político nacional: multipartidarismo em um sistema federal bicameral; o elevado número de partidos; a dificuldade de, como resultado direto da consulta popular, um partido obter a maioria nos respectivos parlamentos; alianças parlamentares funcionais-fisiológicas; e o caráter nacional dos partidos. Posteriormente, são discutidos exemplos de como o Executivo usurpa o poder de legislar via medidas provisórias que acabam interferindo na agenda do Legislativo, em que pese a exigência constitucional de utilização deste instrumento somente em casos de urgência e relevância; de como o Judiciário também acaba legislando em razão da omissão do Parlamento em questões importantes; e de como o Judiciário não só força o Executivo a estabelecer e a implementar estratégias de ação, como assume ações que são de sua competência original. O quadro, como se percebe, é complexo; neste ambiente, as interferências de um poder nos domínios do outro são antes consequência do que fato originário. Isso impacta sobremaneira a formulação e implementação de políticas públicas, veja a ampla divulgação do que ocorre nas áreas da saúde e execução das penas privativas de liberdade em presídios. O modelo tripartite propaga o equilíbrio dos poderes, sem concentração nem separação absoluta entre eles, o que atualmente não vem ocorrendo no país.
The division among the legislative, executive and judicial functions, as well as among the activities necessary to administrate the State in an environment of res publica, known as division of powers, with mutual tasks but not exclusively to each one, is an old lesson left by Montesquieu. In the Brazilian case, although the 1988 FC is considered as being the Citizenship Constitution, it presents problems of origin, being the fact of having adopted a presidential form of government but having attributed to the Congress competences appertaining to parliamentary systems the major one. Such a design, per se full of contradictions, allied to the tradition and the weight of the civil vis-à-vis the uses and costumes law and, although being a Federate State, results in an excessive amount of competences in the Union's hands. Having in sight these vices and contradictions, this paper discusses, based on a bibliographic research and secondary data, how the interdependency among the three Powers resulted in an out of control process of usurping the attributions and competences one from the other. Thus, a basic tableau is presented establishing the main points of Montesquieu's postulations and how these aspects are present in the tripartite model of government, namely presidentialism, highlighting the peculiarities of the Brazilian context, emphasizing some important institutional aspects of the national political system: multipartidarism in a bicameral federal system; the great number of parties; the difficulty of, as the result of a popular consultation, a single party getting a majority in both parliamentary houses; functional-physiological parliamentary alliances; and the parties national character. Afterwards, some examples are discussed on how the Executive usurps the legislative power via Provisional Measures which end up clogging the Legislative agenda, although the Constitutional text postulates that the usage of this instrument be only in cases of urgency and of relevance; how the Judiciary also ends up legislating because of the Parliament's omission in important matters; and as how the Judiciary not only press the Executive to establish and implement action strategies, as well as assumes actions that are of its original competency. The scenario, as it can be perceived, is quite complex; in this environment, the interferences of a Power upon the dominions of another are much more consequence than original fact. This impact heavily upon the formulation and implementation of public policies, as has been shown by the divulgence about what is happening in the areas of health and the execution of the liberty restricting penalties in prisons. The tripartite model postulates the equilibrium among the powers, with neither concentrating nor having an absolute separation among them, which is not being the case nowadays in the country.