RESUMO As conquistas dos movimentos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) estabeleceram uma tensão na sociedade que sugere serem irreversíveis suas conquistas, inclusive em termos de visibilidade e recusa ao silenciamento. O cenário de redemocratização e a luta contra o preconceito e a discriminação, assim como pelos direitos humanos e acesso à saúde para todos, compõem alguns dos objetivos desses movimentos. Entretanto, a ideia ainda recorrente da impureza da homossexualidade, que posiciona o sujeito gay como “ser perigoso” reatualiza o estigma e a discriminação com base na suposta “contaminação presumida” do HIV/aids. Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo analisar os efeitos dos discursos sobre as (homo)sexualidades e o HIV/aids na formação médica. Por meio da autoetnografia performática, foi desenvolvida uma análise nas intersecções do self nos coletivos, do eu nas culturas, do agente nas agências, a partir de cenas (auto)etnográficas e da observação participante nos vários cenários de ensino-aprendizagem de uma escola médica pública brasileira. Observamos que, embora proscrito desde a CID 10, o diagnóstico de “homossexualismo” segue sendo produzido e produzindo efeitos por meio da solicitação sistemática e sem evidências de investigação do HIV/aids na formação médica. Assim, compreendemos que ainda há certa cultura hegemônica heterossexual-homofóbica na formação e no cuidado em saúde que atualiza o circuito da exclusão, dominação, colonização e subjugação do sujeito homossexual pela reiterada relação “ser gay – ter HIV/aids”. Com os encontros e as experiências vividas aqui analisadas, explicitam-se visceralmente as disputas e os enfrentamentos no currículo, na esfera do cotidiano e em nossa própria consciência e prática diária para a produção de espaços que considerem outras possibilidades de existência para além da somente hegemônica heterossexualidade branca masculina. Concluímos, também, que foram e ainda continuam sendo abertas várias disputas na formação e atuação médicas, evidenciando que “não estamos sozinhos”. Muitos(as) de nós estamos comprometidos(as) com a tentativa de construir outros modos de ensinar e cuidar, guiados por performances – escritas e corporificadas – de inclusão e resistência, cujo objetivo é expor, desafiar e transformar narrativas desumanas contra a população LGBT e a opressão em geral.
ABSTRACT The achievements of the lesbian, gay, bisexual, transvestite and transsexual (LGBT) movements have established a tension in society that suggests that their accomplishments are irreversible, including in terms of visibility and refusal to remain silent. The scenario of re-democratization and the fight against prejudice and discrimination, as well as human rights and access to health for all, make up some of the objectives of these movements. However, the persistently recurrent idea of the dirtiness of homosexuality that positions the gay subject as being dangerous, reaffirm the stigma and discrimination from the alleged “presumed contamination” of HIV/aids. In this sense, this article aims to analyze the effects of discourses on (homo)sexualities and HIV/aids in Medical Education. By means of performative autoethnography, an analysis was performed at the intersections of the “self” in the collective, the self in the cultures, from (auto)ethnographic scenes and participant observation in the various teaching scenarios of a Brazilian public Medical School. We observed that, although proscribed since ICD 10, the diagnosis of “homosexualism” continues to be produced through the systematic and unproven application of HIV/aids research in medical education. Thus, we understand that there is still a certain heterosexual-homophobic hegemonic culture in health education and health care that updates the circuit of exclusion, domination, colonization and subjugation of the homosexual subject by the repeated relationship between “being gay – having HIV/aids”. With the encounters and experiences that have been analyzed here, the disputes and confrontations in the curriculum, in the daily life and in our own daily consciousness and practice for the production of spaces that consider other ways of living beyond just hegemonic male white heterosexuality are made viscerally explicit. We also conclude that several disputes have been and are still being opened in medical training and performance, proving that “we are not alone”. Many of us are committed to the attempt to construct other ways of teaching and caring, guided by performances – written and embodied – of inclusion and resistance, whose goal is to expose, challenge and transform dehumanizing narratives against the LGBT population and oppression in general.