Resumo: Interpretando resultados de estudos neurocientíficos contemporâneos, apresento, em linhas gerais, uma abordagem fisicalista não-reducionista da relação mente-cérebro, a partir da qual a crítica de ininteligibilidade atribuída à noção de causação mental é considerada. Assumindo que uma crítica paradigmática à noção de causação mental é aquela apresentada por Jaegwon Kim, em suas reflexões sobre a teoria da superveniência mente-corpo, considero criticamente o seu argumento, oferecendo uma concepção geral a respeito da relação mente-cérebro, a qual acredito tornar a noção de causação mental inteligível. Penso que o principal problema do argumento de Kim se relaciona à formulação da questão da causação mental por ele aceita. Por exemplo, ao perguntar "como os eventos mentais, sendo propriedades não-físicas do cérebro, podem agir causalmente sobre a estrutura e funcionamento do cérebro?" a mente está sendo considerada não como uma propriedade do cérebro, mas como uma substância cartesiana. Entendo que, em vez de perguntar "como a mente age causalmente sobre o cérebro?", como se a mente fosse algo dele separada e independente, seria mais conforme a uma concepção fisicalista não-reducionista perguntar "como o cérebro, guiado por sua mente, pode agir causalmente sobre si mesmo?" Para justificar essa formulação do problema da causação mental, proponho uma "abordagem dupla face" da relação mente-cérebro, segundo a qual a consciência é a propriedade essencial da mente, sendo a mente inseparável do cérebro, embora a ele irredutível, e a estrutura e funcionamento do cérebro dependente numa certa medida da existência da mente. Isso significa, em termos gerais, que a mente consciente resulta da estrutura e funcionamento do cérebro - "mente consciente como cérebro" -, e que o cérebro, usando a mente consciente como um guia para sua ação, interage com seu corpo e com o ambiente físico e sociocultural circundante, construindo e sendo construído por ambos - "cérebro como mente consciente".
Abstract: Interpreting results of contemporary neuroscientif studies, I present a non-reductive physicalist account of mind-brain relationship from which the criticism of unintelligibility ascribed to the notion of mental causation is considered. Assuming that a paradigmatic criticism addressed to the notion of mental causation is that presented by Jaegwon Kim’s analysis on the theory of mind-body supervenience, I present his argument arguing that it encompasses a formulation of the problem of mental causation, which leads to difficulties by him pointed. To ask "how mental events, being a non-physical property of the brain, could act causally on brain structure and functioning?", is not to treat the mind as a property of the brain, but as a Cartesian substance. I argue that, rather than asking "how does mind could act causally on the brain?", as if the mind were something apart and independent of the brain, it would be more in line with a non-reductive physicalist view to ask "how the brain, guided by its mind, could act causally on itself?". To justify this last formulation of the problem of mental causation, I propose a "double face view", which consists in considering the consciousness as the essential property of the mind, and mind and brain as inseparable, dependent and irreducible faces. It means, in general terms, that the conscious mind is the result of brain structure and activity - "conscious mind as brain" - and that the brain, using its conscious mind as a guide to its actions, interacts with its body, and with the physical and sociocultural environment, constructing and being constructed by both - "brain as conscious mind".