Resumo Este artigo faz uma leitura comparativa entre um excerto da Nouvelle Justine, a terceira versão da protagonista virtuosa de Sade, publicada em 1799, e os discursos de Robespierre, nos quais a virtude torna-se o princípio da ação política (1793-1794). Pretende-se com isto, e a despeito de grande parte de sua crítica recente, mostrar como há sim um gesto profundamente político na escrita sadeana. Tal gesto caracteriza-se por uma equivocidade enunciativa, particularmente efetuada pela disjunção entre ponto de vista e posição enunciativa. Essa escrita equívoca funciona, assim, como um contraponto aos discursos do Terror, fundamentados na radicalização do antagonismo entre a “pátria” e os seus “inimigos”. Enquanto Robespierre recorre à virtude como o alicerce da unicidade e, sobretudo, da univocidade do corpo republicano, Sade faz do equívoco o motor da escrita e dos corpos que põe em cena, assinalando suas singularidades e relações de força, subsumidos e hipostasiados pela ficcionalização jacobina da pátria.
Abstract The scope of the present paper is to compare an excerpt from La nouvelle Justine, the third version of Sade's virtuous protagonist, published in 1799, and Robespierre's discourses, in which virtue becomes the principle of political action (1973-1974). The main purpose is to show that, despite the majority of its recent critical fortune, there is a deeply political gesture in the sadean writing. Such gesture is characterized by an enunciative equivocity, particularly accomplished through the disjunction between point of view and enunciative positioning. This writing operates, therefore, like a counterpoint to the discourses of the Terror, substantiated in the radicalization of the antagonism between “homeland” and its “enemies”. While Robespierre resorts to the virtue as the foundation of the unity, and, above all, the republican body's unity, Sade makes of the equivoque the engine of the writing and of the bodies he puts on the scene, pointing out their singularities and relations of force, subsumed and hypostatized by the jacobin fictionalization of the homeland.
Résumé Cet article met en regard un extrait de La Nouvelle Justine, la troisième version de la protagoniste vertueuse de Sade, publiée en 1799, et les discours de Robespierre, dans lesquels la vertu devient le principe de l’action politique (1793-1794). Notre but est de montrer, en dépit d’une grande partie de sa critique actuelle, qu’il y a un geste profondément politique de l’écriture sadienne. Ce geste se caractérise par une énonciation équivoque, particulièrement effectuée par la disjonction entre point de vue et position énonciative. Cette écriture équivoque fonctionne ainsi comme un contrepoint aux discours de la Terreur, qui se fondent sur la radicalisation de l’antagonisme entre la « patrie » e ses « ennemis ». Tandis que Robespierre met en œuvre la vertu comme fondation de l’unicité et, surtout, de l’univocité du corps républicain, Sade fait de l’équivoque le moteur de l’écriture et des corps qu’il met en scène, en signalant leurs singularités et leurs relations de force, subsumés sous la fiction jacobine de la patrie.