Resumo No Brasil, dada a sua hidrologia privilegiada, o uso econômico dos recursos hídricos tem muitas dimensões, como a energia hidrelétrica, agricultura, abastecimento humano. A energia hidrelétrica tem enfrentado e enfrentará cada vez mais avaliações de impacto social e ambiental rigorosas (notadamente na região amazônica onde está localizado 40% do potencial). Os últimos estudos de inventário de para implantação de hidrelétricas por esse motivo tem sido feitos procurando soluções que minimizem a área de inundação e abandonando aquelas alternativas que propunham a modificação dos fluxos naturais dos rios, com a construção de reservatórios de regularização. Algumas dessas soluções de engenharia envolvem a proposição de um trecho de vazão reduzida, um trecho de rio que vai da barragem até o ponto em que as águas são devolvidas ao seu curso natural, após passar pelas turbinas, de forma a aproveitar a queda proporcionada pelo rio e pela barragem. Esse estirão fluvial é conhecido como trecho de fluxo ou vazão reduzida (TVR). Mesmo mega-projetos, como a represa de Belo Monte (11,3 GW), são projetados desta forma, com fluxos desviados por vales e canais laterais, escavados (nesse caso chegando a um surpreendente 13000 m3 (de material escavado superior ao do Canal do Panamá). Assim o TVR sofre um impacto severo e definitivo, local onde a vazão natural será diminuída e que precisa ser cuidadosamente estudado para se possa propor fluxos ecológicos adequados, uma vez que um aumento nos fluxos no TVR reduz a produção de eletricidade da planta para a mesma capacidade instalada. A forma de equilibrar os requisitos do TVR e a energia hidroelétrica continua a ser um desafio, e claramente não há consenso. Neste estudo, realizamos uma análise dos principais impactos ambientais causados pelos requisitos do TVR, considerando as múltiplas utilizações de água específicas para cada local da barragem. O estudo é relevante porque a variabilidade natural dos fluxos dos rios fornece diversidade de habitats e mantém a riqueza e a complexidade das comunidades biológicas. Se os requisitos do TVR não forem adequadamente avaliados, pode haver uma desestabilização de comunidades biológicas e até mesmo uma perda de biodiversidade. Esse tipo de arranjo era mais comum em barragens localizadas em cabeceiras de rios, como nas encostas da cordilheira dos Andes, e em regiões como os Alpes. Existem muitas hidrelétricas na América do Sul e na Europa que possuem esse tipo de arranjo de obras de engenharia. Mas os tempos são outros e os impactos ambientais tem que ser melhor avaliados. Um último aspecto também envolve a manutenção de fluxos ecológicos a jusante de barragens. Reservatórios de regularização precisam manter a jusante, mesmo que não tenham um TVR, fluxos adequados que representem minimamente a sazonalidade do rio, com cheias e estiagens, que propiciem a manutenção dos ecossistemas a jusante. Existem casos como o da Usina de Sobradinho no rio São Francisco que tem sido muito questionado nesse aspecto, notadamente quando o clima está mudando na bacia, com longos períodos de estiagem, e com crescimento dos conflitos de uso da água. Portanto esse é um tema importantíssimo e cada vez mais atual.
Abstract In Brazil, given its privileged hydrology, the unexplored economic use of water resources has many dimensions, such as hydroelectric power. This energy will face increasingly rigorous social and environmental impact assessments (40% of potential is located in the Amazon region). Hydropower inventory studies conducted over decades, with solutions such as ecological river flows, that flood smaller areas and reduce natural river flows modifications, are being reviewed. The river extension from dam to the point where the waters are returned after the powerhouse is known as the Reduced Flow Stretch (RFS). Even mega-projects, such as the 11.3 GW Belo Monte dam, are designed with deviating flows reaching an astounding 13,000 m 3/s (excavated material higher than Panama Canal). RFS requires to be carefully studied to achieve appropriate ecological flows, since RFS flows increased reduces the plant's electricity production to the same installed capacity. Balancing RFS requirements and hydroelectric power remains a challenge and, clearly, there is no consensus. Here, we performed an analysis of the main environmental impacts caused by RFS requirements, considering the multiple water use specific for each dam site. The natural variability of river flows provides diversity of habitats and maintains the richness and complexity of biological communities. Therefore, the present study has great ecological, social and economic relevance, since proper evaluation of the RFS requirements avoids potential destabilization of biological communities and even loss of biodiversity. This type of arrangement was more common in dams located in headwaters of rivers, as in the slopes of the Andes mountain range, and in regions like the Alps. There are many hydroelectric plants in South America and Europe that have this type of arrangement of engineering works. But the times are different and the environmental impacts have to be better evaluated. A final aspect also involves the maintenance of ecological flows downstream of dams. Regularization reservoirs need to keep downstream, even if they do not have a TVR, adequate flows that represent minimally the seasonality of the river, with floods and droughts, that propitiate the maintenance of the ecosystems downstream. There are cases such as the Sobradinho Plant in the São Francisco River that has been much questioned in this regard, especially when the climate is changing in the basin, with long periods of drought, and with increasing water use. So this is a very important and increasingly current issue.