Resumo: Pretendemos mostrar que, no Górgias, diálogo dedicado à crítica da retórica, as frequentes alusões de Sócrates à compleição do corpo, bem como o uso recorrente de metáforas corpóreas para referir-se ao que, por analogia, passa-se com a alma servem de ferramenta retórica para fazer frente à retórica de Górgias. Desse modo, ao mesmo tempo em que chamamos atenção para a maneira como Platão se vale das armas do adversário justamente para atacá-lo, ressaltamos o papel imprescindível do corpo como evidência da alma na filosofia platônica. Com isto, nosso intuito é reforçar a vertente interpretativa segundo a qual Platão pode ser entendido mais como um pensador que parte dos problemas prementes de seu tempo para daí nos conduzir a reflexões filosóficas - no diálogo em questão, as consequências políticas de uma paidéia pautada numa retórica sofística -, do que como um filósofo comprometido apenas com uma metafísica transcendente.
Abstract: We intend to point out that in the Gorgias, dialogue devoted to the critique of rhetoric, Socrates' frequent allusions to the body's complexion, and the recurrent use of corporeal metaphors to refer to what, by analogy, happens to the soul, function as a rhetoric tool in order to oppose Gorgias' own rhetoric. Thus, while drawing attention to the way Plato uses the weapons of the adversary precisely to attack him, we emphasize the indispensable role of the body as evidence of the soul in Platonic philosophy. Therefore, our intent is to reinforce the interpretive strand according to which Plato can be understood more as a thinker who departs from the pressing problems of his time in order to lead us into philosophical reflections - in the present dialogue, the political consequences of a paideia oriented by sophistic rhetoric -, than as a philosopher solely committed to a transcendent metaphysics.